Page 302 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO VIII
Filosofia e costumes dos huyhnhnms.
A lgumas vezes solicitei do meu amo que me deixasse ver os rebanhos dos Yahus
da vizinhança, a fim de examinar-lhes pessoalmente as maneiras e propensões.
Consciente da aversão que lhes tinha, não receou que a vista e o contato com eles
me corrompessem; quis, porém, que um corpulento alazão tostado, um dos seus
criados fiéis e muito manso, me acompanhasse, receoso que me acontecesse
algum acidente.
Os Yahus olharam-me como um semelhante seu, principalmente depois
de me haverem visto as mangas arregaçadas, com o peito e braços nus.
Quiseram, então, aproximar-se de mim, e começaram a arremedar-me, pondo-
se em pé nas patas traseiras, levantando a cabeça e colocando uma das patas na
ilharga. A vista da minha configuração fazia-os soltar gargalhadas. No entanto,
testemunharam-me menos aversão e ódio, como fazem sempre os macacos
selvagens à vista de um macaco aprisionado, que usa um chapéu, enverga uma
roupa e anda de meias.
Com eles apenas me aconteceu uma aventura. Certo dia em que fazia
muito calor e em que eu me banhava, uma jovem Yahu acercou-se de mim e
desatou a apertar-me com quanta força tinha. Soltei grandes gritos e supus que as
suas garras me dilacerariam; mas apesar da fúria que a animava e da raiva que
lhe brilhava nos olhos, não me fez a menor arranhadura. O alazão acudiu,
ameaçou-a e ela fugiu logo. Esta ridícula história, referida depois em casa, foi
motivo de grande galhofa para meu amo e toda a família, enquanto para mim foi
causa de vergonha e enleio. Não sei se devo observar que esta Yahu tinha cabelos