Page 311 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO X
Felicidade do autor no país dos huyhnhnms — Os agradáveis prazeres que
saboreia com as conversas entabuladas com eles — Modo de vida que leva
naquela região — É banido desse país por ordem do parlamento.
F ui sempre amigo da ordem e da economia, e, em qualquer situação em que
me encontrasse, arranjei sempre de modo a regularizar e a industriar a minha
maneira de viver. Meu amo, porém, marcara terreno para minha moradia quase
a seis passos da casa, e essa moradia, que era uma cabana conforme o uso do
país e muito parecida com a dos Yahus, não era agradável nem cômoda. Fui
buscar barro com que fiz quatro paredes e um sobrado e, com um junco,
fabriquei uma esteira com a qual cobri a moradia. Apanhei cânhamo, que
crescia à vontade pelo campo. Limpei-o, fiei-o e do fio manufaturei uma espécie
de pano, que enchi de penas de aves, para arranjar uma cama macia, onde
dormisse à vontade. Com a minha faca e o auxílio do alazão fiz uma cadeira e
uma mesa. Quando minha roupa ficou completamente esfarrapada, engendrei
outra de peles de coelho a que juntei as de certos animais chamados nnuhnoh,
que são muito bonitos e quase do mesmo tamanho, e cuja pele é coberta de um
finíssimo pêlo. Com esta pele arranjei também excelentes meias. Talhei para
solas dos sapatos pedaços de madeira muito adelgaçados e substituí o cabedal por
pele de Yahu. Quanto à comida, além da que acima aludi, apanhava algumas
vezes mel dos troncos das árvores e comia-o com o meu pão de aveia. Ninguém
experimentou tanto como eu que a natureza com pouco se contenta e que a
necessidade é mãe do engenho.
Gozei de uma saúde perfeita e de um sossego de espírito inalterável. Não
me via exposto nem à inconstância e traição dos amigos, nem às invisíveis