Page 315 - As Viagens de Gulliver
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pois o mais que poderia nadar seria uma légua e que, no entanto, a terra mais
próxima ficava talvez afastada cem léguas; que, com respeito à construção de
um barco, nunca encontraria no país o que seria necessário para semelhante
trabalho; que, contudo, queria obedecer, apesar da impossibilidade de fazer o que
se me aconselhava e me dizia respeito como uma criatura que está para morrer;
que a presença da morte não me aterrorizava e que a esperava como o menor
dos males de que estava ameaçado; que, posto que pudesse atravessar os mares e
voltar ao meu país por qualquer aventura extraordinária, teria então a desgraça
de me encontrar com os Yahus, com os quais seria obrigado a passar o resto da
minha existência e cair, em breve, em todos os seus maus hábitos; que sabia bem
que as razões que haviam levado os senhores huyhnhnms a essa resolução, eram
muito fortes para que lhes pudesse opor as de um desgraçado Yahu como eu; que,
nessa conformidade, aceitava o cativante oferecimento que me fazia dos seus
criados para me auxiliar a construir o barco; que lhe pedia apenas que tivesse a
bondade de me conceder certo prazo de tempo suficiente para dedicar-me a
uma tarefa tão difícil, que era destinada à conservação da minha miserável
existência; que, se algum dia chegasse à Inglaterra, trataria de me tornar útil aos
meus compatriotas, traçando-lhes o perfil e as virtudes dos ilustres huyhnhnms e
apresentando-os para exemplo a todo o gênero humano.
Sua honra replicou-me em poucas palavras, e disse que me concedia dois
meses para a construção do barco e, ao mesmo tempo, ordenou ao alazão meu
companheiro (porque me é lícito dar-lhe este nome na Inglaterra) que seguisse
as minhas instruções, porque dissera a meu amo que só ele me bastaria e eu
sabia que me era muito afeiçoado.
A primeira coisa que fiz foi ir com ele para o sítio da costa, onde aportara
havia tempo. Subi a um outeiro e, estendendo a vista para todos os lados na
solidão dos mares, julguei enxergar para o nordeste uma ilhota. Com o meu
telescópio vi-a nitidamente, e calculei que estivesse afastada cinco léguas.
Quanto ao bom alazão, dissera apenas que era uma nuvem. Como nunca vira
outra terra além daquela em que nascera, não tinha vista capaz para distinguir no
mar objetos afastados, como eu, que passara a vida sobre esse elemento. Foi
para esta ilha que primeiramente me resolvi dirigir, quando o meu barco
estivesse pronto.
Voltei à casa com o meu companheiro, e, depois de termos conversado
um pouco, fomos a uma floresta, que estava um tanto longe, onde eu, com uma
faca, e ele, com uma pedra cortante, encabadas com muita perfeição, cortámos
a madeira necessária para o trabalho. A fim de não enfastiar o leitor com os
pormenores da minha tarefa, basta dizer que, dentro de seis semanas, fizemos
uma espécie de canoa, à maneira dos índios, mas muito mais larga, que cobri