Page 317 - As Viagens de Gulliver
P. 317
CAPÍTULO XI
O autor é atingido por uma flecha que lhe dirige um selvagem — É tomado por
portugueses que o conduzem a Lisboa, de onde passa para a Inglaterra.
C omecei esta desgraçada viagem a 15 de Fevereiro no ano de 1715, pelas nove
horas da manhã. Ainda que o vento fosse favorável, a princípio só me servi dos
remos; considerando, porém, que depressa me fatigaria e que o vento poderia
mudar, arrisquei-me a içar a vela e, por esta forma, com o concurso da maré,
singrei quase pelo espaço de hora e meia. Meu amo, com todos os huyhnhnms da
sua companhia, permaneceu na praia até me perder de vista e ouvi várias vezes
o meu amigo alazão gritar: Hnuy illa nyha majah, que, traduzido em vulgar,
significa: Toma cautela contigo, gentil Yahu.
O meu desejo era descobrir, se pudesse, alguma ilhota deserta e
desabitada, onde apenas encontrasse com que me alimentar e vestir. Passaria,
em tal situação, uma vida mil vezes mais feliz do que a de um primeiro ministro.
Tinha um extremo horror em regressar à Europa e ser obrigado a viver na
sociedade e sob o império dos Yahus. Na feliz solidão que procurava, esperava
passar docemente o resto dos meus dias, envolvido na minha filosofia, usufruindo
os meus pensamentos, não tendo outro fim além do soberano bem-estar, nem
outro prazer que não fosse o testemunho da minha consciência, sem estar exposto
ao contágio dos enormes vícios, que os huyhnhnms tinham feito entrever na
minha detestável espécie.
O leitor, decerto, se recorda de que lhe disse que a tripulação do meu
navio se revoltara contra mim e me aprisionara no camarote; que permanecera
nessa situação durante muitas semanas, sem saber onde conduziam o meu navio