Page 318 - As Viagens de Gulliver
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e que, em suma, me haviam desembarcado sem me dizer onde me encontrava.
Entretanto, julguei que estava a dez graus ao sul do Cabo da Boa Esperança e
quase a quarenta e cinco de latitude meridional. Inferi de algumas conversas, que
ouvira no navio, que tinham desejo de se dirigir a Madagascar. Embora isso não
fosse senão uma conjectura, não deixei de tomar a resolução de singrar para
leste, esperando refrescar-me ao sudoeste da Nova-Holanda, e daí dirigir-me a
oeste para algumas das ilhotas que ficam nas proximidades. O vento estava
diretamente para oeste, e, pelas seis horas da tarde, calculei que andara dezoito
léguas para esse ponto.
Tendo, então, descoberto uma ilhota afastada mais de légua e meia, a ela
aportei daí a pouco. Não passava de um verdadeiro rochedo, com uma pequena
baía que as tempestades aí haviam formado. Amarrei a canoa neste porto e,
tendo trepado a um dos lados do rochedo, descobri para leste uma terra, que se
estendia de norte a sul. Passei a noite na minha canoa e, no dia seguinte,
desatando a remar de madrugada e com grande coragem, cheguei às sete horas
a um sítio da Nova-Holanda, que fica a sudoeste. Isto confirmou-me uma opinião
que tinha já há tempo: que os mapas-múndi e as cartas geográficas colocavam
este país menos três graus para leste do que realmente está. Creio ter já, há
muitos anos, comunicado o meu pensamento ao meu ilustre amigo, senhor
Hermann Noll, e ter-lhe explicado as minhas razões; mas ele preferiu seguir a
multidão dos autores.
Não avistei habitante algum no sítio onde desembarcara e, como não tinha
armas, não quis aventurar-me nesse país. Apanhei na praia alguns mariscos que
não me atrevi a cozer, com receio de que o fogo me fizesse descobrir aos
habitantes da região. Durante os três dias que me demorei oculto naquele local,
só me alimentei de ostras e outros mariscos, a fim de poupar as minhas
provisões. Felizmente, encontrei um pequeno regato, cuja água era magnífica.
Ao quarto dia, aventurando-me a dar alguns passos nessa região, descobri
talvez trinta habitantes, numa altura que ficava a uns quinhentos passos distante de
mim. Estavam todos nus, homens, mulheres e crianças, e aqueciam-se em volta
de uma fogueira. Um deles avistou-me e fez sinal aos outros. Então, destacaram-
se cinco do grupo e puseram-se a caminho, dirigindo-se para mim. Logo desatei
a fugir para a praia, meti-me na canoa e remei com toda a força. Os selvagens
seguiram-me ao longo da praia e arremessaram uma flecha que me atingiu o
joelho esquerdo, onde me fez uma larga ferida, de que ainda tenho cicatriz.
Receei que o dardo estivesse envenenado; assim, tendo remado fortemente,
pondo-me fora do alcance dos inimigos, tratei de espremer bem a ferida e depois
liguei o joelho conforme pude.