Page 11 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
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1.     Vida e formação: o caminho da docência e da pesquisa - Por Cristiane de
               Fatima Budek Dias

                                                                                          Tente! (Tente!)
                                                                                              E não diga
                                                                              Que a vitória está perdida
                                                                                        Se é de batalhas
                                                                                      Que se vive a vida
                                                                                        Tente outra vez!
                                                                                           (Raul Seixas)

                      Sempre quis contar um pouco da minha história de vida e nunca havia tido a
               oportunidade de fazê-lo sem interrupções ou sem que alguém tentasse amenizar tudo
               que vivi até chegar aonde estou hoje. Certa vez uma pessoa me disse: “para você é mais
               fácil”.  Isso  porque  eu  já  era  mestra.  Como  se  esse  título  fosse  presente  ganho  sem
               esforço. Então quando surgiu a oportunidade de contar um pouco sobre minha trajetória
               de vida e formação, fiquei muito feliz em finalmente poder expressar meus sentimentos
               e compartilhar minhas experiências.
                      Nasci no dia dezesseis de julho de 1985, numa comunidade rural chamada Faxinal
               dos Dias, no município da Lapa, região metropolitana de Curitiba. Como o nome já diz,
               uma comunidade onde moram muitos Dias, parentes do lado do meu pai. Sou a nona
               filha de uma família de 11 irmãos, 3 homens e 8 mulheres. Não cheguei a conhecer meu
               irmão mais velho, que faleceu ainda criança, de causa desconhecida. Também tive pouco
               contato com meu irmão mais novo, que faleceu ainda bebê, com 11 meses e meio. Ele
               tinha Síndrome de Down e nasceu com problemas cardíacos graves. Tenho a lembrança
               do dia em que minha mãe veio com ele para casa quando saiu da maternidade e do dia
               do seu velório. Recordo do carro do meu tio chegando na nossa casa à noite para avisar
               que ele tinha falecido, num hospital em Curitiba, onde tinha passado a maior parte de
               seus dias. No dia seguinte, lembro da chegada do caixão branco e da coroa de flores,
               doados pelo dono da funerária, que foram colocados na sala. Muitas pessoas foram ao
               velório, como no interior as pessoas são mais autônomas, puderam prestar solidariedade
               para nós. Não consegui chorar e me culpava por isso, mesmo tendo apenas 6 anos de
               idade eu sentia essa culpa. Emociono-me agora ao recordar disso.
                      Vivíamos  com  muitas  dificuldades  na  casa  de  madeira  que  mal  tinha  energia
               elétrica. Tínhamos lâmpadas e forração apenas na cozinha e na sala. Não lembro bem
               quando minhas irmãs mais velhas começaram a trabalhar de doméstica em Curitiba e
               Lapa, só lembro que elas trabalhavam fora e raramente iam para casa. Nossa casa tinha
               três quartos e eu e mais três irmãs dormíamos em uma cama de casal, daquelas que
               possuem  uma  fina  camada  de  espuma  que  serve  de  colchão.  Também  já  tínhamos
               dormido em colchão de palha e as demais camas da casa ainda tinham esse tipo de
               colchão. Nos dias de chuva, quando não podíamos ir para a roça, era dia de rasgar palha
               para renová-los. As janelas eram de madeira, sem vidro e balançavam muito quando
               ventava  e  chovia.  As  paredes  não  tinham  sarrafos,  então  nos  dias  de  inverno
               colocávamos roupas nas frestas entre as tábuas para proteger do vento gelado. Nossas
               roupas ficavam penduradas em ripas pregadas nos cantos das paredes. Não tínhamos
               roupas separadas para cada uma, era tudo compartilhado. Calçados eram raridade e
               quase sempre chinelos Havaianas remendados.
                      Tenho na memória algumas das histórias que meu pai contava ao redor do fogão
               à lenha, na maioria das vezes quando insistíamos muito. Ele sempre dizia a frase: “espere

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