Page 13 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
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de história que as professoras levaram para a sala: Meu Joelho Juvenal e Quero Casa com
Janela. Fiquei encantada. Gostava muito de livros.
Recordo da capa do livro didático no qual fazíamos nossas lições, tinha a figura
de um sapo verde. As lições nem sempre tinham nexo. Lembro de um texto que dizia:
“A babá boa bebe o leite do bebê”. Aquilo não fazia sentido para mim, pois se a babá era
boa, ela não poderia beber o leite e sim dar para a criança. Meu conceito de bondade era
diferente.
Lembro de outro episódio no qual chorei muito. A professora passava listas de
palavras para que estudássemos em casa e depois tomava a leitura na escola e eu
esqueci de estudar, quando cheguei na escola uma colega perguntou se eu havia
estudado. Fiquei muito nervosa e desatei a chorar. Li aquelas palavras soluçando. Tive
dificuldades em aprender a escrever meu nome. Escrevia até o T e foi difícil passar disso.
Todos os meus colegas já escreviam seus nomes e eu ainda não. Isso era frustrante.
Da segunda série em diante estudei em outra escola, sob a mesma direção e que
tinha duas turmas, uma de segunda série e outra de terceira. O município organizava as
turmas conforme a localidade das crianças. Quem morava até o Bonito e era de uma
dessas turmas estudava na escola dessa localidade, a escola Gabriel de Lara, os demais
iam para a escola da Água Azul, que continha todas as turmas. Estudei nessa escola até
a quarta série, com a mesma professora. Ela era afetuosa. Desses três anos, não consigo
separar as lembranças por turma em que estava. Recordo de uma prática muito
interessante que me fez refletir sobre nosso sistema. A professora apresentou-nos a letra
da música de Raul Seixas, Cowboy Fora da Lei. Depois conversou sobre o que significava
alguns trechos da letra e eu gostei daquilo. Desse dia em diante acredito que passei a ver
o mundo com outros olhos e isso me acompanha até hoje.
Lembro de algumas palestras sobre erosão do solo, cuidado com a saúde bucal,
das feiras de ciências nas quais a professora selecionava o que iríamos apresentar e nos
passava o trabalho. Numa delas minha equipe fez uma ampulheta com embalagens de
vinagre e numa outra era um cartaz com sementes, não lembro bem do que se tratava,
só recordo que no fim de semana anterior ao dia em que íamos apresentar na escola da
Água Azul, os ratos haviam comido as sementes do cartaz e a professora teve que
reorganizá-lo.
A escola não tinha sinal, então para a entrada as professoras gritavam na porta da
cozinha: “Banheiro e água” e nós corríamos fazer fila na porta da sala. Durante o recreio
e no final da aula, enquanto esperávamos o ônibus, brincávamos de amarelinha, balança
caixão, pega-pega e algumas outras brincadeiras que no momento não recordo. Eu
gostava dos meus colegas, mas lembro que um menino tinha implicância comigo,
chamava-me de boca maldita e ria do meu tênis furado na parte do dedão do pé. Nós
usávamos os calçados até que ficassem sem condições.
Sempre fui boa aluna e tirava notas boas. Gostava de estudar. No dia anterior ao
da prova lia três vezes a matéria e colocava o caderno debaixo do travesseiro, no outro
dia acordava e repetia a leitura, pois diziam que isso era bom para ir bem na prova.
Lembro que a professora dizia que eu conseguia até lembrar das vírgulas e pontos nos
lugares corretos, exatamente como estava escrito no caderno. Hoje sei que isso não era
aprendizagem.
Nos três anos que estudei nessa escola não lembro de ter escutado ou lido algum
livro. Lembro que a sala tinha uma prateleira com alguns livros, mas eram inadequados
para nossa faixa etária. Lembro de ter visto Romeu e Julieta, Salada Russa e um exemplar
da Constituição Brasileira. Até cheguei a levar esses livros para casa, mas não consegui
ler.
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PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES