Page 14 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
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Quando eu estava na quarta série a outra turma da escola era de 1º ano, então a
               professora  dessa  turma  pedia  nosso  auxílio  para  tomar  a  leitura  dos  pequenos.  Eu
               gostava de fazer isso. Talvez aí já tenha iniciado o gosto pela docência, mesmo sem
               consciência disso.
                      Ao final da quarta série era comum no nosso discurso perguntar um ao outro se
               iria  continuar  os  estudos.  Naquele  tempo  o  Conselho  Tutelar  ainda  não  estava
               consolidado e não ia atrás daqueles que desistissem de estudar. O ECA era recente. E eu
               e  minhas  irmãs  continuamos.  Fomos  para  a  5ª  série,  em  outra  escola,  desta  vez  na
               comunidade do Mato Preto. Era um pouco mais perto que as anteriores. Nessa escola
               vivi muitas angústias e até hoje não gosto das recordações. Não tinha amigos e todos
               comungavam o hábito de andar em volta da escola até o início da aula, o que era um
               tempo bastante extenso, já que o ônibus nos deixava na escola e seguia para outras
               localidades buscar mais estudantes. Eu não tinha com quem “andar”, como chamávamos
               esse costume. Lembro que todas as noites eu rezava e pedia para que no outro dia eu
               tivesse com quem andar na escola. Ninguém gostava de andar com colegas mal vestidos
               ou que iam de chinelo e eu era uma dessas.
                      Não tenho muitas recordações das aulas, apenas alguns lapsos sobre as lições da
               professora de inglês que passava as palavras e pedia que fizéssemos desenhos para
               representá-las e algo sobre os meridianos que a professora de Geografia passou.  Não
               gostava das aulas de Educação Física, não era boa em esportes. A dificuldade em fazer
               amigos e a preocupação com a maneira de vestir fizeram com que eu e minhas irmãs
               decidíssemos parar de estudar. Depois das férias de julho não voltamos para a escola.
               Intensificamos nosso trabalho na roça, agora podíamos ir juntar batatas e arrancar feijão
               para os agricultores maiores. E assim seguimos por dois anos, até que minha mãe decidiu
               que devíamos mudar essa situação e nos mudamos para a cidade da Lapa. Deixamos a
               falta de perspectiva da roça e a provável sequência da Vida Maria para um novo rumo.
               A princípio esse novo rumo não era muito diferente do trabalho árduo, pois a perspectiva
               era a de trabalho nas casas de família, como domésticas e babás. Fomos criadas para
               isso, lembro da minha mãe nos aconselhando sobre a lavagem de toalhas de banho. Ela
               dizia: tem que aprender a lavar direito porque senão vai fazer na casa dos outros e não
               sabe.
                      Nos mudamos no ano de 1997 e no ano seguinte minha mãe nos matriculou na
               escola. Retornei para a 5ª série com 13 anos de idade e já tinha a altura que tenho hoje,
               então  a  disparidade  com  meus  colegas  de  classe  era  visível.  Muitos  olhares  de
               preconceito  vieram  e  a  frase  “Você  é  repetente?”  era  muito  comum,  dita  tanto  por
               professores como pelas outras crianças. Logo nas primeiras provas me saí muito bem e
               os professores começaram a simpatizar comigo. Fui boa aluna até a 8ª série. Estudava
               de manhã e trabalhava à tarde. Primeiro de babá e depois de doméstica.
                      A escola era grande, com cerca de 300 alunos, mas era mais receptiva e consegui
               fazer  alguns  amigos,  poucos,  mas  consegui.  Não  tenho  mais  contato  com  ninguém
               daquela  época, então talvez não fossem  amizades  verdadeiras.  Mesmo  tendo  alguns
               amigos, as questões socioeconômicas ainda estavam latentes. Tiravam sarro dos meus
               dentes cariados e da casa velha onde morávamos e sempre havia um olhar de pena ou
               desprezo quando contava que trabalhava de doméstica. Não era muito fácil conviver
               com isso, mas eu me apegava ao estudo e assim me sobressaía nas aulas. Apenas nas de
               Educação Física é que eu continuava um caos.
                      Gostava muito das aulas de matemática e tinha bastante facilidade em resolver
               expressões e tudo que envolvia números. Lembro de uma aula muito interessante na
               qual a professora do 8º ano nos levou para o pátio da escola calcular as sombras do

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                       PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
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