Page 17 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
P. 17
Fiquei mais um ano sem estudar. Nessa época já havia abandonado o trabalho de
doméstica e, por intermédio de uma professora, estava trabalhando como auxiliar no
método Kumon. Era um trabalho muito bom, bem próximo da docência. Tenho boas
recordações da orientadora, a professora Maria da Luz, que sempre incentivou meus
estudos e me apoiou em momentos difíceis da minha vida pessoal. Um exemplo ímpar
de ser humano. Trabalhava duas vezes por semana nesse emprego e fazia freelancer em
uma agência de publicidade nos outros dias e fins de semana. Ganhava $1,00 a hora. E
ainda ficava feliz em ter isso. Hoje percebo o tamanho da exploração.
Um dia minha irmã me convidou para tentarmos uma bolsa pelo Prouni. Era bem
no início do programa e nem sabíamos como funcionava. Mas fomos atrás. Fizemos o
Enem e o vestibular da faculdade da minha cidade, a FAEL. Havia apenas dois cursos:
Pedagogia e Administração. Como já estava envolvida com a docência no Kumon e por
incentivo de amigos e família, fomos fazer Pedagogia. Conseguimos a bolsa e
ingressamos no ano de 2006. Foram anos muito bons. Quando eu estava no segundo
ano comecei a fazer estágio pelo município, em um programa de contraturno escolar.
Fazia 20 horas. Então conseguia conciliar o trabalho no Kumon e na escola onde
funcionava o contraturno. Era uma escola de interior e eu tinha que acordar às 4h da
manhã para pegar o ônibus. A época de inverno era a mais sofrida, pois as janelas do
ônibus não travavam, então com as estradas esburacadas elas abriam e o vento gelado
entrava com força. Mesmo assim, tenho muitas memórias boas dessa época. Um
trabalho gratificante no qual conheci pessoas maravilhosas com as quais tenho amizade
até hoje.
No terceiro ano de faculdade passei a trabalhar no estágio 40 horas e deixei o
Kumon. Retornei no quarto ano de faculdade, quando meu contrato de estágio acabou.
A professora Maria da Luz sempre me aceitava de volta. Penso que trabalhávamos bem
juntas. E nesse retorno, voltei também para o freelancer na agência de publicidade e
consegui mais um trabalho em um restaurante nos fins de semana e feriados. A vida era
dura e eu precisava correr atrás. Nessa época morava só eu, minha mãe e uma das
minhas irmãs. Nós éramos responsáveis pelo sustento da casa, como sempre foi. Meu
pai nessa época já havia saído de casa definitivamente. Ele sempre saía e voltava, mas
nem lembro mais quando foi que saiu de verdade e nem deu mais notícias.
Muitas vezes dormi na aula por cansaço. E tem muita coisa que não lembro se vi
ou não nas aulas. Tive bons professores, mas também alguns nem tanto. Quando estava
no quarto ano, minha mãe adoeceu. Foi muita correria naquele ano e sequer lembro das
disciplinas estudadas. Ela ficou um tempo hospitalizada, bem na época do TCC. Quando
ela faleceu estávamos à véspera de entrega do trabalho. Lembro que um fim de semana
após sua morte é que conseguimos sentar e terminar a escrita. Não foi muito fácil não.
Recordo de um texto escrito quando ela já estava no hospital o qual a orientadora
retornou dizendo que não tinha sentido. E realmente não tinha. Não era fácil ler em um
quarto de hospital e depois tentar escrever alguma coisa.
O trabalho foi feito em dupla: eu e minha irmã. Como revezávamos para os
cuidados com a nossa mãe, quase nunca conseguíamos nos encontrar para fazer o TCC.
Não fizemos pesquisa de campo. E hoje percebo que mesmo a pesquisa bibliográfica
que fizemos foi bastante limitada. Não tínhamos acesso à Internet em casa e usamos
apenas os livros disponibilizados pela biblioteca da faculdade. Tínhamos apenas um
computador comprado em vinte e quatro vezes e uma impressora simples, para digitar
e imprimir nossos trabalhos. Antes dessa aquisição pagávamos pela digitação e
impressão. Lembro-me que algumas vezes fiz permuta para pagar, fazendo unhas de
uma colega que digitava nossos trabalhos. Fiz permuta de faxineira também para pagar
15
PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES