Page 210 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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se aliviado por tudo ter saí do muito bem com Lucy.
    Na manhã seguinte, quando foi ao hospital visitá-la, ficou surpreso por encontrar dois homens
  ao lado da cama dela e flores espalhadas por todo o quarto. Lucy estava com a cabeça suspensa
  e apoiada em travesseiros, o seu rosto se mostrava radiante. Jules se sentiu surpreso porque Lucy
  rompera  com  a  família  e  pedira-lhe  para  não  notificá-la  a  não  ser  que  algo  saísse  errado.
  Naturalmente Freddie Corleone sabia que ela estava no hospital para uma pequena operação; que
  tinha sido necessário informá-lo para que ambos tivessem folga, e Freddie dissera a Jules que o
  hotel pagaria todas as contas de Lucy.
    Lucy apresentou-os e Jules reconheceu prontamente um deles. O famoso Johnny Fontane. O
  outro era um rapaz italiano grande, musculoso, com cara de poucos amigos, cujo nome era Nino
  Valenti.  Ambos  apertaram  a  mão  de  Jules  e  depois  não  lhe  deram  mais  atenção.  Estavam
  brincando  com  Lucy,  falando  sobre  a  zona  em  que  moraram  em  Nova  York,  sobre  gente  e
  acontecimentos  de  que  Jules  de  forma  alguma  podia  participar.  Por  conseguinte,  ele  disse  a
  Lucy:
    — Eu passo aqui mais tarde, tenho de ver o Dr. Kellner.
    Mas Johnny Fontane mostrou-lhe logo o seu encanto pessoal.
    — Olhe aqui, companheiro, nós é que temos de ir embora, você fica fazendo companhia a
  Lucy. Tome conta dela, doutor.
    Jules notou uma rouquidão peculiar na voz de Johnny Fontane e lembrou-se de repente de
  que há mais de um ano que ele não cantava em público, e que ganhara o prêmio da Academia
  pelo seu desempenho artístico. Podia a voz do homem ter mudado tão tarde assim na vida e os
  jornais manterem isso em segredo, todo mundo manteve isso em segredo? Jules gostava de um
  mexerico e continuou a ouvir a voz de Fontane numa tentativa de diagnosticar a complicação
  gutural.  Podia  ser  simples  esforço,  ou  bebida  e  cigarros  em  demasia  ou  até  mulheres  em
  excesso.  A  voz  tinha  um  timbre  feio,  ele  não  podia  mais  ser  chamado  de  “o  cantor  da  voz
  macia”.
    — Você parece que está resfriado — disse Jules a Johnny Fontane.
    — Apenas esforço, tentei cantar ontem à noite — respondeu Johnny delicadamente: — Acho
  que não posso aceitar o fato de que minha voz mudou, estou envelhecendo, como você sabe. —
  Arreganhou os dentes sarcasticamente para Jules.
    — Você não procurou um médico para examinar isso? — perguntou Jules casualmente. —
  Talvez seja uma coisa que tenha cura.
    Johnny não estava tão encantador agora. Lançou a Jules um olhar frio.
    — Isso foi a primeira coisa que fiz há dois anos passados. Procurei os melhores especialistas.
  O meu próprio médico, que é considerado como a maior sumidade aqui na Califórnia. Disseram-
  me que descansasse um bocado. Não há nada de mau, apenas estou envelhecendo. A voz do
  homem muda quando ele envelhece.
    Johnny  passou  a  ignorá-lo  depois  disso,  dando  atenção  a  Lucy,  agradando-a  como  ele
  agradava todas as mulheres. Jules continuou a prestar atenção à voz do ator. Devia ter nascido
  algum corpo estranho naquelas cordas vocais. Mas, então, por que diabo os especialistas não o
  localizaram? Seria maligno e inoperável? Então devia haver outra coisa.
    Ele interrompeu Johnny para perguntar:
    — Quando foi a última vez que você foi examinado por um especialista?
    Johnny estava obviamente irritado, mas procurava ser cortês em atenção a Lucy.
    — Há cerca de dezoito meses — respondeu.
    — O seu médico tem examinado isso de vez em quando? — insistiu Jules.
    —  Certamente,  tem  —  respondeu  Johnny  Fontane  irritado.  —  Ele  me  dá  um  borrifo  de
  codeína  e  me  faz  um  exame  cuidadoso.  Ele  disse  que  é  apenas  porque  a  minha  voz  está
  envelhecendo, que isso é devido à bebida, ao fumo e a outras coisas. Talvez você saiba mais do
  que ele?
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