Page 209 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— Eu disse a ele que você era a minha garota particular, assim ele vai pôr umas paredes
reais bem apertadas.
Mas a pílula preliminar já a fizera ficar apática e ela não riu nem sorriu. A observação
irritante dele tirou uma parte do terror da operação.
O Dr. Keliner fez a incisão com a confiança de um campeão de bilhar dando uma tacada
fácil. A técnica de qualquer operação para reforçar a bacia pélvica requeria a consecução de
dois objetivos. A funda pélvica músculo-fibrosa tinha de ser encurtada de modo que a folga
desaparecesse. E naturalmente a abertura vaginal, o próprio ponto fraco da bacia pélvica, tinha
de ser trazida para a frente, trazida para baixo do arco púbico e assim livrar-se da linha da
pressão direta acima. A reparação da funda pélvica era chamada perincorrafia. A sutura da
parede vaginal era chamada colporrafia.
Jules percebeu que o Dr. Kellner estava trabalhando agora com cuidado; havia perigo de que
a incisão fosse multo profunda e atingisse o reto. Era um caso evidentemente sem complicação,
Jules estudara todas as radiografias e outros exames. Nada podia sair errado, exceto que em
cirurgia algo podia sempre sair errado.
Kellner estava trabalhando na funda do diafragma, a pinça em T segurava a aba vaginal, e
expondo os músculos e as fáscias que formavam sua bainha. Os dedos de Kellner cobertos de
gaze empurravam para o lado o tecido conjuntivo solto. Jules mantinha os olhos fixos na parede
vaginal para ver se apareciam as veias, o sinal de perigo que indicava ter ofendido o reto. Mas o
velho Kellner conhecia o seu trabalho. Estava construindo uma nova prega com a facilidade com
que um carpinteiro prega certos pinos.
Kellner estava aparando a parede vaginal em excesso usando o ponto de filmar embaixo
para fechar o “pedaço” tirado do tecido do ângulo redundante, a fim de que não se formassem
projeções complicadas. Tentava introduzir três dedos na abertura estreita do lume, depois dois.
Procurou enfiar dois dedos, explorando profundamente, e por um momento olhou para Jules e
seus olhos azuis por cima da máscara de gaze piscaram como que perguntando se estava bastante
estreito. Em seguida passou a ocupar-se novamente de suas suturas.
Tudo estava terminado. Empurraram Lucy para a sala de recuperação e Jules falou a
Kellner, que se mostrava radiante, o melhor sinal de que tudo saíra bem.
— Absolutamente nenhuma complicação, meu rapaz — disse ele a Jules. — Não houve nada
de anormal, um caso muito simples. Ela tem um tono corporal maravilhoso, raro nesses casos, e
agora está em plena forma para o que der e vier. Invejo você, meu rapaz. É claro que você terá
de esperar um pouco, mas depois garanto que você gostará do meu trabalho.
— Você é um verdadeiro Pigmalião, doutor. De fato, você esteve formidável — disse Jules,
dando uma gargalhada.
— Tudo isso é brincadeira de criança, como os abortos — retrucou o Dr. Kellner. — Se a
sociedade fosse apenas realista, gente como eu e você, gente realmente talentosa, poderia fazer
trabalho importante e deixar isso para os charlatães. A propósito, vou-lhe mandar uma garota na
próxima semana, uma garota muito distinta, parece que elas estão sempre arranjando
complicações. Isso vai-nos tornar quites pelo trabalho que fiz hoje.
Jules balançou a cabeça.
— Obrigado, doutor. Apareça lá pessoalmente um dia e eu procurarei oferecer-lhe todas as
cortesias da casa.
Kellner retribuiu-lhe com um riso torto e respondeu:
— Jogo todos os dias, não preciso das suas roletas e das suas mesas de dados. Enfrento o
destino muito freqüentemente como ele é. Você vai-se estragar ali, Jules. Uns dois anos mais e
você poderá esquecer a cirurgia séria. Você não estará à altura dela.
Kellner virou as costas e afastou-se. -
Jules sabia que isso não significava uma censura, mas uma advertência. Contudo, isso o
impressionou bastante. Como Lucy não sairia da sala de recuperação senão pelo menos daí a
12horas, ele foi até a cidade e embriagou-se. Parte de sua embriaguez se deveu ao fato de sentir-