Page 271 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 29
    MICHAEL CORLEONE tomara precauções contra qualquer eventualidade. O seu plano era
  perfeito, a sua segurança impecável. Ele era paciente, esperando usar o ano inteiro para preparar
  o seu golpe. Mas não foi preciso esperar o ano inteiro que achava necessário, porque o próprio
  destino conspirou contra ele, e da maneira mais surpreendente. Pois foi o Padrinho, o próprio
  grande Don, quem estragou o plano de Michael Corleone.
    Numa ensolarada manha de domingo, enquanto as mulheres rezavam na igreja, Don Vito
  Corleone  vestiu  o  seu  uniforme  de  hortelão:  calças  cinzentas  largas,  camisa  azul  desmaiado,
  chapéu  de  feltro  batido,  de  cor  marrom  e  já  sujo,  adornado  com  uma  fita  de  seda  cinza
  manchada, O Don engordara bastante nos últimos anos e trabalhava na sua plantação de tomates,
  dizia ele, para o bem de sua saúde. Mas não enganava ninguém.
    A  verdade  era  que  ele  gostava  de  cuidar  de  sua  horta;  gostava  de  vê-la  de  manhã  cedo.
  Fazia-o lembrar-se da sua infância na Sicília há 60 anos passados, fazia-o lembrar.se disso sem o
  terror, a tristeza da morte do seu próprio pai. Agora os feijões em suas fileiras faziam pequenas
  flores brancas no alto; talos verdes fortes de alho-porro cercava tudo por ali. Num canto da horta,
  havia um barril com esguicho como se estivesse de guarda. Estava cheio de estrume de vaca
  líquido,  o  melhor  fertilizante  de  hortas.  Também  naquela  parte  inferior  da  horta  estavam  as
  armações quadradas de madeira que Don Corleone havia construído com as suas próprias mãos,
  as varas amarradas com um grosso cordão branco Em torno dessas armações enroscavam se as
  plantas trepadeiras, isto é, os tomateiros
    Don Corleone apressou se em irrigar a horta Isso devia ser feito antes que o sol se tornasse
  muito quente e deixasse a água escaldante o que poderia cozinhar as folhas de alface.
    Don  Corleone  movimentava  se  pela  horta  à  procura  de  formigas.  Se  ele  Constatasse  a
  presença delas isso significava que havia piolhos nos seus legumes e verduras, e as formigas iam
  atrás dos piolhos e ele teria de aplicar o inseticida.
    Ele  irrigara  na  hora  exata.  O  sol  estava  esquentando  e  o  Don  pensava:  “Prudência.
  Prudência.” Mas havia ainda algumas plantas mais novas para serem sustentadas pelas varas e
  ele se abaixou novamente. Voltaria para dentro de casa quando acabasse essa última fileira.
    Subitamente,  Don  Corleone  sentiu  como  se  o  sol  tivesse  baixado  até  bem  perto  de  sua
  cabeça. O ar estava cheio de partículas douradas dançando. O filho mais velho de Michael veio
  correndo pela horta na direção do lugar onde o Don se ajoelhara e o menino estava envolvido por
  um escudo amarelo de luz cegante. Mas o Don não se deixava enganar assim, era um homem
  muito velho. A morte se escondia por trás desse escudo amarelo flamejante, pronta para atacá-
  lo, e o Don com um aceno de mão avisou ao garoto que se afastasse de sua presença. Justamente
  na hora. O golpe de martelo dentro do peito fê-lo sufocar, perder a respiração. O Don atirou-se
  de bruços na terra.
    O menino saiu correndo para chamar o pai. Michael Corleone e alguns homens que estavam
  no portão da alameda correram para o jardim e encontraram Don Corleone estirado no chão,
  agarrando punhados de terra. Levantaram-no e o conduziram para a sombra do pátio de pedra.
  Michael  ajoelhou-  se  ao  lado  do  pai,  segurando-lhe  a  mão  enquanto  os  outros  homens
  telefonavam pedindo uma ambulância.
    Com um grande esforço o Don abriu os olhos para ver o filho uma vez mais. O violento
  ataque cardíaco tornou o seu rosto corado quase azul. Ele estava nas últimas. Sentia o cheiro da
  horta, o escudo amarelo de luz feria-lhe os olhos, e ele murmurou:
    — A vida é tão bonita.
    Foi poupado da triste cena de ver as lágrimas das mulheres de sua família, morrendo quando
  elas  estavam  na  igreja,  antes  da  ambulância  chegar,  sem  qualquer  socorro  médico.  Morreu
  cercado de homens, segurando a mão do filho que ele mais amara.
    O  enterro  foi  uma  cerimônia  comovente.  As  cinco  Famílias  mandaram  os  seus  Dons  e
  caporegimes,  como  também  as  Famílias  Tessio  e  Clemenza.  Johnny  Fontane  apareceu  com
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