Page 272 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 272
destaque nos jornais por comparecer ao enterro, apesar do conselho de Michael para que não
fosse. Johnny fez uma declaração à imprensa afirmando que Vito Corleone era seu Padrinho e o
homem mais decente que ele já conhecera e que se sentia honrado em lhe poder prestar as suas
últimas homenagens, e pouco se importava que todo mundo soubesse disso.
O velório foi feito na casa da alameda, à moda antiga. Amerigo Bonasera nunca fizera
trabalho mais impressionante, desincumbira-se de todas as obrigações, preparando seu velho
amigo e Padrinho tão carinhosamente como uma mãe prepara uma filha para o casamento.
Todos comentaram como nem mesmo a morte conseguira apagar a nobreza e a dignidade do
semblante do grande Don e tais observações fizeram Amerigo Bonasera encher-se de orgulho
consciente, um curioso senso de poder. Somente ele sabia que massacre terrível a morte
perpetrara na fisionomia de Don Corleone.
Todos os velhos amigos e servidores também vieram. Nazorine, sua mulher, sua filha com o
marido e os respectivos filhos, Lucy Mancini veio com Freddie de Las Vegas. Tom Hagen e sua
mulher e filhos, os Dons de São Francisco e Los Angeles, Boston e Cleveland. Rocco Lampone e
Albert Neri carregaram o caixão juntamente com Clemenza e Tessio e, naturalmente, os filhos
do Don. A alameda e todas as suas casas estavam cheias de coroas de flores.
Fora dos portões da alameda, aglomeravam-se os jornalistas e fotógrafos, enquanto, em uma
camioneta que se sabia ser do FBI, agentes com suas máquinas de filmar registravam o
acontecimento. Alguns repórteres que tentaram penetrar para ver a cerimônia fúnebre lá dentro
verificaram que o portão e o cercado eram controlados por guardas de segurança que exigiam
que mostrassem identificação e convite para entrar. E embora fossem tratados com a maior
cortesia — até refrescos foram enviados para eles lá fora — não se permitiu que entrassem.
Tentaram falar com algumas das pessoas que saíam, mas estas se mostravam impassíveis como
pedra e não pronunciavam uma sílaba sequer.
Michael Corleone passou a maior parte do dia na sala da biblioteca com Kay, Tom Hagen e
Freddie. Pessoas foram introduzidas ali para vê-lo, para apresentar condolências. Michael
recebia-as com toda a cortesia, mesmo quando alguns se dirigiam a ele chamando-o de Padrinho
ou Don Michael; somente Kay percebia que ele comprimia os lábios, indignado.
Clemenza e Tessio vieram unir-se a esse círculo íntimo e Michael pessoalmente serviu-lhes
uma bebida. Houve alguma conversa sobre negócios. Michael informou-os de que a alameda e
todas as suas casas seriam vendidas a uma firma construtora. Com um lucro enorme, outra prova
ainda do gênio do grande Don.
Todos compreendiam que agora o império estaria no Oeste. Que a Família Corleone
liquidaria o seu poder em Nova York. Tal atitude estava aguardando apenas a aposentadoria ou a
morte do Don.
Já haviam transcorrido quase dez anos da festa que provocara tamanha ocorrência de
pessoas naquela casa, quase dez anos que ocorrera o casamento de Constanzia Corleone e Carlo
Rizzi, comentou alguém. Michael aproximou-se da janela que dava para o jardim. Naquele
tempo tão distante ele estava sentado no jardim com Kay sem nem sequer sonhar que teria
destino tão curioso. E o pai ao morrer dissera: “A vida é tão bonita.”
Michael não se lembrava de ter ouvido jamais o pai pronunciar uma palavra sobre a morte,
como se o Don a respeitasse bastante para filosofar sobre ela.
Era hora de ir para o cemitério. Era hora de enterrar o grande Don. Michael enlaçou o seu
braço no de Kay e foi para o jardim juntar-se ao grupo de acompanhantes do enterro. Atrás
dele, vinham os caporegimes seguidos de seus soldados e depois todas as pessoas humildes que o
Padrinho tinha protegido durante a vida. O padeiro Narozine, a viúva Colombo e seus filhos e os
incontáveis indivíduos do seu mundo que ele governara de maneira muito firme, mas muito justa.
Havia até alguns que tinham sido seus inimigos, mas que vieram prestar sua derradeira
homenagem.
Michael observava tudo isso com um riso contido, delicado. Não estava impressionado.
Contudo, pensava ele: “Se eu pudesse morrer dizendo: A vida é tão bonita, então nada mais é
importante. Se eu puder acreditar em mim tanto assim, nada mais importa.” Ele seguiria o pai.