Page 277 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 30
ALBERT NERI estava sentado em seu apartamento do Bronx escovando cuidadosamente o
seu antigo uniforme de sarja azul de policial. Tirou o distintivo e o pôs em cima da mesa para
poli-lo. O coldre e o revólver regulamentares estavam colocados em cima de uma cadeira. Essa
antiga e minuciosa rotina fazia-o feliz de um modo estranho, era uma das poucas vezes em que
ele sentia satisfação desde que a mulher o abandonara, há quase dois anos.
Ele casara com Rita quando ela era ainda aluna do curso secundário e ele um policial
recruta. Ela era tímida, tinha cabelo escuro e pertencia a uma família de italianos puritanos que
nunca a deixara ficar na rua depois das dez horas da noite. Neri se achava completamente
apaixonado por ela, por sua inocência, por sua virtude, como também por sua beleza morena.
A princípio, Rita estava fascinada pelo marido. Ele era imensamente forte e ela via muita
gente ter medo dele por causa de sua força e de sua atitude inflexível quanto ao que era certo e
errado. Raramente ele era habilidoso. Se discordava da atitude de um grupo ou da opinião de um
indivíduo, conservava a boca fechada ou externava grosseiramente a sua discordância. Jamais
apresentava um assentimento cortês. Tinha também um temperamento verdadeiramente
siciliano e os seus acessos fúria eram terríveis. Mas nunca se zangava com a esposa.
Neri no espaço de cinco anos se tornara um dos policiais mais temidos da corporação da
cidade de Nova York. Também um dos mais honestos. Mas tinha os seus meios próprios de
cumprir a lei. Ele detestava delinqüentes juvenis e quando via um grupo de rapazes desordeiros
promovendo agitação na rua, à noite, perturbando os transeuntes, ele tomava uma atitude rápida
e decisiva. Empregava sua força física verdadeiramente extraordinária, o que ele próprio não
apreciava totalmente.
Uma noite, no Central Park, ele saltou do carro-patrulha e deteve seis rapazes de jaqueta de
seda preta. O seu companheiro ficou no assento do motorista, não querendo envolver-se,
conhecendo Neri. Os rapazes, todos eles já beirando os vinte anos, estavam parando as pessoas
para pedir cigarro de modo ameaçador, mas sem causar realmente qualquer mal físico a
ninguém.
Aborreciam também as garotas que passavam, fazendo um gesto obsceno mais francês do
que americano.
Neri os enfileirou no muro de pedra que separa o Central Park da Oitava Avenida. Era a hora
crepuscular, mas Neri levava consigo a sua arma preferida, uma enorme lanterna. Ele nunca se
preocupava em puxar o revólver; nunca era necessário. O seu rosto, quando se zangava, era tão
ameaçador, combinado com seu uniforme, que os rapazes em geral se acovardavam. Esses não
foram exceção.
Neri perguntou ao primeiro rapaz de jaqueta de seda preta:
— Como é seu nome?
O rapaz em resposta deu um nome irlandês.
— Saia da rua — ordenou ao rapaz: — Se eu o encontrar novamente esta noite, você se
arrependerá.
Ele fez sinal com a lanterna e o rapaz se afastou a passos rápidos. Neri seguiu o mesmo
processo com os dois rapazes seguintes, deixando-os ir em seguida. Mas o quarto rapaz deu um
nome italiano e sorriu para Neri como que para invocar certo parentesco. Neri era
indiscutivelmente de descendência italiana. Neri olhou para o rapaz por um momento e
perguntou:
— Você é italiano?
O rapaz sorriu confiantemente.
Neri vibrou-lhe uma pancada violenta na testa com a lanterna, fazendo-o cair de joelhos. A
pele da testa do rapaz se abriu e o sangue começou a jorrar-lhe pelo rosto. Mas era apenas um
ferimento superficial. Neri disse-lhe asperamente: