Page 279 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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— Alô, mãe, quer preparar alguma coisa para eu comer?
    Mas não era um pedido. Era a queixa manhosa de uma criança mimada.
    A mãe respondeu estridentemente:
    — Levante-se na hora da refeição para poder comer. Não vou cozinhar novamente só para
  você.
    Era o tipo da cena horrorosa, aliás muito comum, mas Tommy ainda um pouco irritado do
  seu sono cometeu um erro.
    — Ah, então, foda-se você e o seu mau humor, eu vou sair e comer lá fora!
    Tão logo disse isso, Tommy se arrependeu.
    O tio Al pulou sobre ele como um gato em cima de um rato. Não tanto pelo insulto à irmã
  naquele  dia  especial,  mas  porque  era  evidente  que  ele  freqüentemente  falava  com  a  mãe
  daquele  jeito  quando  os  dois  estavam  a  sós.  Tommy  nunca  se  atrevia  a  dizer  tal  coisa  na
  presença do irmão da mãe. Mas naquele domingo ele se distraiu. Azar dele.
    Ante os olhos apavorados das duas mulheres, Al Neri deu no sobrinho uma tremenda surra
  cautelosa e impiedosa. A princípio, o rapaz fez uma tentativa para se defender, mas logo desistiu
  e  pediu  misericórdia.  Neri  esbofeteou-lhe  o  rosto  até  que  os  seus  lábios  ficaram  inchados  e
  sangrando. Sacudiu a cabeça do rapaz para trás e jogou-o de encontro à parede. Socou-lhe o
  estômago, depois deitou-o de bruços no chão e bateu-lhe com o rosto no tapete. Pediu às duas
  mulheres que esperassem e fez Tommy descer para a rua e entrar em seu carro. Então, disse o
  diabo ao rapaz.
    — Se a minha irmã alguma vez me contar que você falou com ela novamente desse jeito, a
  surra que você levou hoje vai parecer uns beijinhos de mulher — avisou a Tommy. — Quero
  ver  você  proceder  como  gente.  Agora  suba  para  casa  e  diga  à  minha  mulher  que  estou
  esperando por ela.
    Foi dois meses depois disso que Al Neri voltou para casa de um trabalho até tarde da noite na
  polícia e verificou que a mulher o tinha abandonado. Ela havia arrumado todas as suas coisas e
  retornado para a casa da família. O pai dela informou-o que Rita tinha medo dele, que tinha
  medo de viver com ele por causa do seu gênio. Al ficou assombrado e não acreditou. Nunca
  batera na mulher, nunca a ameaçara de forma alguma, nunca sentira outra coisa a não ser amor
  por ela. Mas ficou tão atordoado com a atitude da esposa que resolveu deixar passar alguns dias
  para ir até a casa da família dela para falar com a mulher.
    Deu azar porque na noite seguinte ele teve uma complicação no seu turno de trabalho, O
  carro dele recebeu um chamado do Harlem, uma comunicação de um assalto com morte. Como
  de costume, Neri saltou do carro-patrulha ainda em movimento. Já passava da meia-noite e ele
  levava a sua enorme lanterna. Foi fácil localizar a ocorrência. Havia uma multidão reunida do
  lado de fora da porta de uma casa de cômodos. Uma preta disse a Neri:
    — Há um homem aí cortando uma mocinha.
    Neri entrou no corredor. Havia uma porta aberta lá no fundo com a luz muito fraca e ele
  ouviu alguém gemendo. Ainda segurando a lanterna, foi andando pelo corredor e atravessou a
  porta aberta.
    Quase caiu quando tropeçou em dois corpos estirados no chão. Um era de uma moça preta
  de cerca de 25 anos de idade. O outro era de uma menina preta que não tinha mais de 12. Ambas
  estavam  sangrando  de  cortes  de  navalha  no  rosto  e  no  corpo.  Na  sala  da  frente,  Neri  viu  o
  homem responsável pelo crime. Ele o conhecia bem.
    O homem era Wax Baines, um conhecido cafetão, traficante de entorpecentes e valentão.
  Seus  olhos  estavam  inchados,  sob  o  efeito  de  entorpecentes;  a  faca  ensangüentada  que  ele
  segurava na mão balançava. Neri o prendera duas semanas antes por agredir violentamente uma
  de suas prostitutas na rua. Baines lhe dissera:
    — Escute, homem, você não tem nada com isso aqui.
    E o companheiro de Neri também falara algo a respeito de deixar os pretos se cortarem uns
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