Page 280 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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aos outros, se assim o desejassem, mas Neri arrastou Baines para o distrito. Logo no dia seguinte,
  Baines foi solto sob fiança.
    Neri jamais gostara de pretos, e trabalhar no Harlem o fez gostar ainda menos deles. Os
  pretos viviam tomando entorpecentes ou se embriagando enquanto as mulheres trabalhavam ou
  pegavam homem. Ele não tinha a menor consideração por qualquer desses salafrários. Assim a
  descarada infração da lei cometida por Baines o enfureceu. E a visão da menina toda cortada a
  navalha deixou-o doente. Completamente frio, em seu próprio íntimo, ele resolvera não levá-lo
  preso.
    Mas as testemunhas já se estavam aglomerando no apartamento atrás dele, algumas pessoas
  que viviam no prédio e o seu companheiro do carro-patrulha.
    — Largue essa faca, você esta preso! — ordenou Neri.
    Baines deu uma gargalhada.
    — Homem, você vai ter de usar o seu revólver para me prender. — Levantou a faca e falou:
  — Ou talvez você queira isso!
    Neri moveu-se muito depressa para que o seu companheiro não tivesse tempo de puxar o
  revólver. O preto atacou com a faca, mas os reflexos extraordinários de Neri permitiram-lhe
  aparar o golpe com a palma da mão esquerda. Com a mão direita, vibrou a lanterna descrevendo
  um semicírculo no ar. O golpe pegou na parte lateral da cabeça de Baines e o fez dobrar-se sobre
  os  joelhos  comicamente  como  se  estivesse  bêbedo.  A  faca  caiu-lhe  da  mão.  Ele  estava
  completamente  indefeso.  Portanto,  o  segundo  golpe  foi  indesculpável,  como  o  inquérito  do
  departamento de polícia e o julgamento a que Neri foi posteriormente submetido provaram com
  o auxilio do testemunho das pessoas ali presentes e do seu companheiro da polícia. Neri baixou a
  lanterna no alto do crânio de Baines com uma violência Incrível que fez esmigalhar o vidro; o
  escudo de esmalte e a própria lâmpada despregaram-se da lanterna e voaram pelo quarto. O
  pesado  cilindro  de  alumínio  do  corpo  da  lanterna  envergou  e  só  as  pilhas  em  seu  interior
  impediram-no de se dobrar sobre si mesmo. Um observador horrorizado, um preto que morava
  no prédio e que mais tarde depôs contra Neri, comentou:
    — Homem, que negro de cabeça dura!
    Mas a cabeça de Baines não era tão dura assim. O golpe atingiu-lhe violentamente o crânio.
  Ele morreu duas horas depois no hospital do Harlem.
    Albert Neri foi a única pessoa a ficar surpresa quando abriram inquérito no Departamento de
  Polícia  para  apurar  as  acusações  contra  ele  de  usar  força  excessiva.  Foi  suspenso  de  suas
  funções, sendo apresentadas acusações criminais contra ele. Depois de indiciado por homicídio,
  foi condenado à pena de um a dez anos de prisão. Naquela época, ele estava tão cheio de fúria
  frustrada e ódio contra toda a sociedade que não ligava para nada. Ousaram julgá-lo como um
  criminoso! Ousaram mandá-lo para a prisão por matar um animal como aquele preto cafetão!
  Não  deram  a  menor  importância  à  mulher  e  à  menina  que  tinham  sido  talhadas  a  navalha,
  desfiguradas para o resto da vida, e que ainda se encontravam no hospital.
    Ele não tinha medo da prisão. Sentia que, em virtude de ter sido um policial e especialmente
  em virtude da natureza de seu delito, seria bem tratado. Diversos colegas da polícia já lhe tinham
  garantido  que  falariam  com  os  amigos.  Somente  o  pai  de  sua  mulher,  um  astuto  italiano
  antiquado  que  possuía  um  mercado  de  peixe  no  Bronx,  compreendia  que  um  homem  como
  Albert  Neri  tinha  pouca  possibilidade  de  sobreviver  um  ano  atrás  das  grades.  Um  dos  seus
  companheiros de prisão o mataria; se não era quase certo que ele mataria um deles. Sentindo-se
  responsável por ter sua filha abandonado um bom marido por alguma bobagem de mulher, o
  sogro  de  Neri  recorreu  aos  seus  contatos  com  a  Família  Corleone  (ele  pagava  um  tributo  de
  proteção  a  um  de  seus  representantes  e  fornecia  à  própria  família  Corleone  o  melhor  peixe
  disponível, a título de presente), e pediu a intervenção da Família.
    A Família Corleone conhecia Albert Neri. Ele era algo como uma lenda na sua qualidade de
  polícia  legalmente  duro;  adquirira  certa  fama  como  um  homem  com  quem  não  era  fácil  de
  lidar, como um homem que podia inspirar medo por sua própria pessoa, independentemente do
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