Page 69 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 69
baixa em 1943. Devido à falta de gente moça, Clemenza o havia contratado, embora Lampone
estivesse parcialmente incapacitado pelos seus ferimentos e mancasse de modo acentuado ao
caminhar. Clemenza usara-o como contato do mercado negro no centro de roupas e com os
funcionários públicos que controlavam os cartões de racionamanto. Daí, Lampone foi promovido
a quebra-galho de toda a operação. O que Clemenza gostava nele era o seu bom raciocínio.
Lampone sabia que não havia vantagem em ser duro com algo que custaria apenas uma pesada
multa ou seis meses de cadeia, preços insignificantes a serem pagos pelos enormes lucros
obtidos. Tinha ainda o bom senso de saber que isso não era campo para grandes ameaças, mas
pequenas, e mantinha toda a operação em ponto baixo, o que era exatamente o necessário.
Clemenza sentiu o alívio de um administrador consciente que havia resolvido um problema
pessoal espinhoso. Sim, Rocco Lampone é quem iria ajudar. Pois Clemenza planejava executar
pessoalmente o trabalho, não somente para ajudar um homem novo e inexperiente a “receber o
batismo de fogo”, como para ter um ajuste de contas pessoal com Paulie Gatto. Paulie tinha sido
seu protegido, ele o fizera passar por cima de muita gente mais leal e mais merecedora, tinha
ajudado Paulie a “receber o batismo de fogo” e o auxiliara em sua carreira de todos os modos.
Paulie não traíra somente a Família, traíra seu padrone, Peter Clemenza. Por essa falta de
respeito tinha de ser castigado.
Tudo o mais estava arranjado. Paulie Gatto fora instruído para apanhá-lo às três horas da
tarde, e para apanhá-lo em seu próprio carro, nada de grave. Clemenza pegou o telefone e discou
o número de Rocco Lampone. Não se identificou, disse simplesmente:
— Venha até a minha casa, tenho uma missão para você.
Ficou satisfeito ao notar que, apesar de ainda ser muito cedo, a voz de Lampone não se
surpreendeu nem estava tonta de sono, e ele simplesmente respondeu:
— Está bem.
Bom homem, pensou Clemenza, acrescentando:
— Não há pressa, tome o seu breakfast e almoce antes de vir ver-me. Mas não venha depois
das duas da tarde.
Ouviu-se outro lacônico “está bem” do outro lado da linha e Clemenza desligou. Já avisara o
seu pessoal para substituir a turma do caporegime Tessio na alameda de Corleone e assim foi
feito. Ele tinha subordinados competentes e jamais intervinha numa operação de rotina dessa
natureza.
Decidiu lavar o seu Cadillac. Ele adorava o carro. Proporcionava-lhe um rodar tão tranqüilo,
e o seu acolchoado era tão cômodo que às vezes se sentava nele durante uma hora, quando o
tempo estava bom, porque era mais agradável do que sentar-se numa poltrona dentro de casa. E
sempre gostava de pensar enquanto lavava o carro. Lembrava-se do pai, na Itália, que fazia a
mesma coisa com os burros.
Clemenza trabalhava dentro da garagem aquecida, pois detestava o frio. Repassou
rapidamente os planos. Era preciso ter cuidado com Paulie, o homem era como um rato, sentia o
cheiro do perigo. E agora, de fato, apesar de ser tão duro, devia estar cagando nas calças porque
o velho sobrevivera. Ele estaria tão desconfiado quanto um burro, sentindo comichão na bunda.
Mas Clemenza já se acostumara a essas circunstâncias, tão habituais em seu trabalho. Primeiro,
precisava ter uma boa desculpa para que Rocco os acompanhasse. Segundo, teria de inventar
uma missão plausível para os três realizarem.
Evidentemente, a rigor, isso não era necessário. Paulie Gatto podia ser assassinado sem
qualquer dessas formalidades. Ele estava acuado, não podia fugir. Mas Clemenza sentia
intensamente que era importante manter os hábitos do bom trabalho e jamais ceder um
milímetro de vantagem. Nunca é fácil prever o que pode acontecer, e essas coisas são, afinal de
contas, questões vida e morte.
Enquanto lavava seu Cadillac azul, Peter Clemenza ponderava e ensaiava o que iria dizer, as
expressões do seu rosto. Seria breve com Paulie, como se estivesse desgostoso com ele. Com um
homem tão sensível e desconfiado como Gatto, isso o tiraria fora da jogada ou pelo menos o