Page 74 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Eles conheciam seus hábitos, pensou Luca, deviam ter mandado segui-lo. Ele geralmente
acordava por volta das três ou quatro horas da tarde e tomava o seu breakfast, depois divertia-se
jogando com companheiros da Família ou apanhava uma garota. Às vezes, assistia a um filme na
sessão da meia-noite e depois entrava num cabaré para tomar uma bebida. Nunca ia dormir
antes do amanhecer. Portanto, a sugestão de uma reunião às quatro horas da madrugada não era
tão esquisita como parecia.
— Está bem, está bem — respondeu Luca — Voltarei às quatro horas.
Deixou o cabaré e tomou um táxi para casa, na Décima Avenida. Morava com uma família
italiana de quem era parente distante. Ocupava dois quartos separados do resto do apartamento
por uma porta especial. Ele gostava dessa moradia porque lhe proporcionava uma espécie de
vida familiar e também proteção contra alguma surpresa onde ele era mais vulnerável.
A astuta raposa turca iria mostrar a sua cauda espessa, pensou Luca. Se as coisas fossem
longe demais, se Sollozzo se comprometesse naquela noite talvez a coisa pudesse acabar como
um presente de Natal para Don Corleone. Em seu quarto, Luca abriu a fechadura do baú que
estava embaixo da cama e tirou o seu colete à prova de balas. Era pesado. Despiu a roupa e
ajustou o colete sobre a sua camiseta de lã, em seguida pôs a camisa e o paletó por cima. Pensou
por um momento em telefonar para a casa de Don Corleone em Long Beach para contar-lhe o
novo desenrolar de sua aventura, mas ele sabia que Don Corleone nunca falava ao telefone com
ninguém, e lhe tinha confiado essa missão em segredo e, portanto, não queria que ninguém, nem
mesmo Hagen ou seu filho mais velho, soubesse algo a respeito.
Luca sempre portava um revólver. Tinha licença para isso, provavelmente a licença mais
cara já concedida em qualquer lugar, em qualquer tempo. Custara-lhe um total de dez mil
dólares, mas evitaria que ele fosse para a cadeia se os tiras o revistassem. Como um funcionário
de operações de alta categoria da Família, ele conhecia o valor da licença. Porém naquela noite,
justamente para o caso de poder terminar o seu serviço, ele queria um revólver “garantido”. Um
revólver cujo proprietário não pudesse ser identificado. Mas então, pensando novamente no
assunto, resolveu que apenas ouviria a proposta naquela noite e depois a comunicaria ao
Padrinho, .Don Corleone.
Saiu de casa com a intenção de voltar ao cabaré, mas não bebeu mais. Em vez disso,
caminhou despreocupado até a Rua 48, onde ceou tranqüilamente no Patsy’s, seu restaurante
italiano preferido. Quando chegou a hora do encontro, dirigiu-se calmamente para a entrada do
cabaré. O porteiro não estava mais lá quando ele entrou. A chapeleira tinha ido embora. Somente
Bruno Tattaglia esperava para recebê-lo e levá-lo até o bar deserto situado no lado da sala.
Diante dele, estavam as pequenas mesas vazias, com a pista de dança de madeira amarela bem
encerada e luzindo no meio delas. Mergulhado nas sombras, mal se via o estrado da orquestra, do
qual se projetava a haste metálica de um microfone.
Luca sentou-se no bar e Bruno Tattaglia foi atrás dele. Luca recusou a bebida que lhe foi
oferecida e acendeu um cigarro. Era possível que isso resultasse em outra coisa que não o turco.
Mas em seguida viu Sollozzo sair das sombras na extremidade oposta da sala.
Sollozzo apertou-lhe a mão e sentou-se no bar perto dele. Tattaglia pôs um cálice em frente
do turco, que acenou a cabeça agradecendo.
— Você sabe quem sou eu? — perguntou Sollozzo.
Luca acenou com a cabeça afirmativamente. Os ratos estão começando a sair dos buracos.
Ele teria prazer em tomar a seu serviço esse siciliano renegado.
— Você sabe o que é que lhe vou pedir? — perguntou Sollozzo.
Luca balançou a cabeça.
— Há um grande negócio a ser feito — afirmou Sollozzo. — Quero dizer milhões para o
pessoal lá de cima. No primeiro embarque, posso garantir a você cinqüenta mil dólares. Estou
falando de entorpecentes. É a coisa que vai começar a dar bom lucro.
Luca perguntou
— Por que vir a mim? Você quer que eu fale a meu Don?