Page 70 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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deixaria em dúvida. Amabilidade indevida o faria cauteloso. Mas, certamente, essa brevidade
  não seria de muito mau humor. Tinha de ser antes uma espécie de irritação distraída. E por que
  Lampone  estava  ali?  Paulie  acharia  isso  muito  inquietante,  especialmente  porque  Lampone
  deveria estar no assento traseiro. Paulie não gostaria de ficar abstraído no volante com Lampone
  atrás de sua cabeça.  Clemenza  esfregou  e  poliu  o  metal  do  seu  Cadillac  furiosamente.  Ia  ser
  difícil. Muito difícil. Por um momento, cogitou se deveria convocar outro homem, mas decidiu
  contra  tal  idéia.  Aqui  ele  seguiu  o  raciocínio  básico.  Nos  anos  vindouros,  poderia  surgir  uma
  situação em que seria vantajoso para um dos seus parceiros depor contra ele. Se fosse apenas um
  cúmplice, seria a palavra de uma pessoa contra outra. Mas a palavra de um segundo cúmplice
  podia fazer pender a balança. Não, eles cumpririam a missão à risca.
    O que aborrecia Clemenza era que a execução tinha de ser “pública”. Isto é, o corpo deveria
  ser encontrado. Ele preferia fazê-lo desaparecer. (Os cemitérios habituais eram perto do oceano
  ou  os  pântanos  de  Nova  Jersey  em  terras  de  propriedade  de  amigos  da  Família  ou  de  outros
  métodos  mais  complicados.)  Mas  tinha  de  ser  público  para  que  os  traidores  em  potencial
  ficassem apavorados e o inimigo avisado de que a Família Corleone não tinha absolutamente se
  tornado idiota ou fraca. Sollozzo se tornaria cauteloso em virtude dessa rápida descoberta de seu
  espião.  A  Família  Corleone  recuperaria  parte do  prestígio  perdido.  Pareceria  ter  sido  tolice  o
  atentado contra o velho.
    Clemenza deu um suspiro. O Cadillac brilhava como um enorme ovo de aço azul, e ele não
  estava ainda perto de  resolver  o  seu  problema.  De  repente,  a  solução  ocorreu-lhe,  lógica  e  a
  calhar.  isso  explicaria  o  fato  de  Rocco  Lampone,  ele  próprio  e  Paulie  se  acharem  juntos  e
  justificaria uma missão de grande segredo e importância.
    Clemenza diria a Paulie que a tarefa deles naquele dia seria achar um apartamento para o
  caso de a Família resolver “dormir em colchões”.
    Toda vez que a guerra entre as Famílias se tornava extremamente intensa, os adversários
  instalavam  quartéis-generais  em  apartamentos  secretos  onde  os  “soldados”  dormiam  em
  colchões espalhados pelos quartos. Isso não era somente para manter as suas famílias fora de
  perigo, as mulheres e as crianças pequenas, já que qualquer ataque aos não-combatentes era
  inconcebível. Todas as partes eram muito vulneráveis a represálias semelhantes. Entretanto, era
  sempre mais vantajoso viver em algum lugar secreto onde os movimentos diários de uma parte
  não  pudessem  ser  registrados  pelos  adversários  ou  pela  polícia  que  poderia  arbitrariamente
  resolver interferir.
    E  assim,  geralmente  mandava-se  um  caporegime  de  confiança  alugar  um  apartamento
  secreto e enchê-lo de colchões. Esse apartamento seria usado como um lugar de partida para a
  cidade quando se preparasse uma ofensiva. Era natural que Clemenza fosse enviado para realizar
  tal  missão.  Era  natural,  para  ele,  levar  Gatto  e  Lampone  em  sua  companhia,  a  fim  de
  providenciar  todos  os  detalhes,  inclusive  o  encargo  de  mobiliar  o  apartamento.  Também,
  Clemenza pensou sarcasticamente, Paulie Gatto tinha demonstrado ser ganancioso, e a primeira
  idéia  que  lhe  ocorreria  à  cabeça  era  quanto  poderia  conseguir  de  Sollozzo  por  essa  valiosa
  informação.
    Rocco Lampone chegou cedo, e Clemenza explicou o que devia ser feito e qual seria o papel
  de cada um. O rosto de Lampone iluminou-se com surpreendente gratidão, enquanto agradecia
  respeitosamente a Clemenza pela promoção que lhe permitia servir a Família. Clemenza tinha a
  certeza de que agira bem. Bateu no ombro de Lampone e disse:
    — Você vai conseguir algo melhor para viver, a partir de hoje. Falaremos nisso mais tarde.
  Você compreende que a Família agora está ocupada com assuntos mais delicados, coisas mais
  importantes para fazer.
    Lampone fez um gesto que dizia que ele seria paciente, sabendo que a sua recompensa era
  certa.
    Clemenza  foi  até  o  cofre  do  seu  cubículo  e  abriu-o.  Tirou  dali  um  revólver  e  deu-o  a
  Lampone.
    — Use este. Eles nunca descobrirão a quem pertence. Deixe-o no carro com Paulie. Quando
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