Page 235 - ARqUEOlOGiA NO PElOURiNhO
P. 235

ALGUNS RESULTADOS INÉDITOS



                           introduzidos na economia escravista rural e urbana.   essa parcela da sociedade soteropolitana. Além desses
                           Parte dos escravos urbanos era destinada ao trabalho   espaços, eles podiam habitar também edificações de
                           de ganho. Devem ser considerados também os libertos   menor porte, como as diversas casas de taipa existentes
                           nesse tipo de ofício.                           nas freguesias centrais (Costa, 1991, p. 22-25).

                           Durante  o  século  XIX,  tais  serviços,  principalmente  os   Um interessante detalhe dessa configuração do espaço
                           prestados por escravos de ganho, garantiram a renda de   habitado por escravos e libertos, na Sé, é a numerosa
                           pequenos proprietários, que poderiam ser estrangeiros,   presença de africanos malês. Reis (2003, p. 284-285)
                           brasileiros brancos ou mestiços, e africanos – os que   indica uma habitação em Guadalupe (provavelmente
                           conseguiam acumular algum excedente e adquiriam   na rua que tem esse nome ou nas imediações da capela
                           cativos. O trabalho desses escravos foi muito comum na   homônima)  onde  o  liberto  e  mestre  malê  Manoel
                           freguesia da Sé, assim como o da escravaria doméstica.  Calafate habitou. Percebe-se em documentos históricos
                                                                           utilizados por Reis, na sua obra acerca do Levante dos
                           Como forma de se manter na freguesia da Sé, apesar
                                                                           Malês, que aqueles considerados rebelados, como
                           da rigidez imposta pela regulamentação do espaço
                                                                           também denunciantes, dimensionavam espaços na
                           da cidade e pelo controle do regime escravista, esses
                                                                           freguesia da Sé tendo como base as adjacências da
                           trabalhadores definiam pontos estratégicos para a
                                                                           Capela de Guadalupe.
                           realização de suas atividades. Os locais onde ofereciam
                           os serviços, chamados cantos, eram bem demarcados e   Também havia habitantes malês em outros locais, como
                           organizados pelos próprios trabalhadores.       o Cruzeiro de São Francisco, o Caminho Novo do Gravatá
                                                                           e a rua do  Tijolo. Um documento histórico, referente
                           Nas proximidades da Capela de Nossa Senhora
                                                                           aos autos da Revolta dos Malês , revela que entre os
                                                                                                     13
                           de Guadalupe existiam alguns cantos bastante
                                                                           oito rebelados moradores da rua do  Tijolo, lateral a
                           movimentados. Conforme Costa (1991, p. 24), alguns
                                                                           Guadalupe, quatro eram libertos, pardos e naturais de
                           deles situavam-se na rua da Ajuda (atrás da cadeia),
                                                                           Salvador. Outros pardos foram listados como rebelados.
                           ladeira de São Bento, rua do Cabeça, Baixa dos Sapateiros
                                                                           Em  seus  endereços  identifica-se a  localização  de  ruas
                           (canto da rua da Vala), rua do Guadalupe e praça do
                                                                           próximas à Capela de Guadalupe.
                           Guadalupe (praça dos Veteranos). Ali eles trabalhavam
                           como vendedores ambulantes de doces, frutas, peixes,   Ainda tendo documentos históricos como fontes,
                           tecidos;  ou  como  carregadores,  artesãos,  lavadeiras,   percebe-se que a partir de meados do século XIX
                           engomadeiras, entre outras atividades.          era comum ter na vizinhança de diversas ruas da Sé,
                                                                           junto aos moradores citados acima,  “ricos senhores
                           Muitos dos escravos de ganho e libertos moravam na
                                                                           de  engenho,  comerciantes,  funcionários  civis  e
                           Sé, em quartos alugados. Segundo Reis (1991, p. 30),
                           algumas famílias de brancos habitavam os andares   13   Ver Devassa do levante de escravos ocorrido em Salvador
                                                                            em 1835. In Anais do Arquivo do Estado da Bahia (Apeb), n. 38,
    236                    térreos e superiores dos sobrados, enquanto os porões   1968; e Peças processuais do Levante dos Malês. In Anais do
                           eram ocupados por escravos e libertos que serviam a   Arquivo do Estado da Bahia (Apeb), n. 40, 1971.





                                                                                              ArqueologiA no Pelourinho
   230   231   232   233   234   235   236   237   238   239   240