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ALGUNS RESULTADOS INÉDITOS
introduzidos na economia escravista rural e urbana. essa parcela da sociedade soteropolitana. Além desses
Parte dos escravos urbanos era destinada ao trabalho espaços, eles podiam habitar também edificações de
de ganho. Devem ser considerados também os libertos menor porte, como as diversas casas de taipa existentes
nesse tipo de ofício. nas freguesias centrais (Costa, 1991, p. 22-25).
Durante o século XIX, tais serviços, principalmente os Um interessante detalhe dessa configuração do espaço
prestados por escravos de ganho, garantiram a renda de habitado por escravos e libertos, na Sé, é a numerosa
pequenos proprietários, que poderiam ser estrangeiros, presença de africanos malês. Reis (2003, p. 284-285)
brasileiros brancos ou mestiços, e africanos – os que indica uma habitação em Guadalupe (provavelmente
conseguiam acumular algum excedente e adquiriam na rua que tem esse nome ou nas imediações da capela
cativos. O trabalho desses escravos foi muito comum na homônima) onde o liberto e mestre malê Manoel
freguesia da Sé, assim como o da escravaria doméstica. Calafate habitou. Percebe-se em documentos históricos
utilizados por Reis, na sua obra acerca do Levante dos
Como forma de se manter na freguesia da Sé, apesar
Malês, que aqueles considerados rebelados, como
da rigidez imposta pela regulamentação do espaço
também denunciantes, dimensionavam espaços na
da cidade e pelo controle do regime escravista, esses
freguesia da Sé tendo como base as adjacências da
trabalhadores definiam pontos estratégicos para a
Capela de Guadalupe.
realização de suas atividades. Os locais onde ofereciam
os serviços, chamados cantos, eram bem demarcados e Também havia habitantes malês em outros locais, como
organizados pelos próprios trabalhadores. o Cruzeiro de São Francisco, o Caminho Novo do Gravatá
e a rua do Tijolo. Um documento histórico, referente
Nas proximidades da Capela de Nossa Senhora
aos autos da Revolta dos Malês , revela que entre os
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de Guadalupe existiam alguns cantos bastante
oito rebelados moradores da rua do Tijolo, lateral a
movimentados. Conforme Costa (1991, p. 24), alguns
Guadalupe, quatro eram libertos, pardos e naturais de
deles situavam-se na rua da Ajuda (atrás da cadeia),
Salvador. Outros pardos foram listados como rebelados.
ladeira de São Bento, rua do Cabeça, Baixa dos Sapateiros
Em seus endereços identifica-se a localização de ruas
(canto da rua da Vala), rua do Guadalupe e praça do
próximas à Capela de Guadalupe.
Guadalupe (praça dos Veteranos). Ali eles trabalhavam
como vendedores ambulantes de doces, frutas, peixes, Ainda tendo documentos históricos como fontes,
tecidos; ou como carregadores, artesãos, lavadeiras, percebe-se que a partir de meados do século XIX
engomadeiras, entre outras atividades. era comum ter na vizinhança de diversas ruas da Sé,
junto aos moradores citados acima, “ricos senhores
Muitos dos escravos de ganho e libertos moravam na
de engenho, comerciantes, funcionários civis e
Sé, em quartos alugados. Segundo Reis (1991, p. 30),
algumas famílias de brancos habitavam os andares 13 Ver Devassa do levante de escravos ocorrido em Salvador
em 1835. In Anais do Arquivo do Estado da Bahia (Apeb), n. 38,
236 térreos e superiores dos sobrados, enquanto os porões 1968; e Peças processuais do Levante dos Malês. In Anais do
eram ocupados por escravos e libertos que serviam a Arquivo do Estado da Bahia (Apeb), n. 40, 1971.
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