Page 70 - ASAS PARA O BRASIL
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Eu não sabia nada sobre o universo dos cruzeiros, era um desafio e
uma operação que deveria ser tão lucrativa quanto prestigiosa. O homem
providencial foi o Bernard, que entre outras funções, tinha sido diretor de
cruzeiros na última companhia de cruzeiros francesa: Paquet. Tiramos uma
semana de viagem para organizar as excursões nas escalas e toda a
logística. O caderno de encargos especificava noites temáticas criadas sob
medida nas diferentes escalas e países: eram muito complicadas de
organizar. A escala no Haiti foi particularmente delicada em organizar,
devido à situação política na ilha, submetida à ditadura do presidente
Duvalier também chamado de “papa doc”. O folclore do país, que às vezes
se aproxima do sagrado, pode desencadear um conflito a qualquer
momento. Mas eu guardo lembranças inesquecíveis do Haiti daquela
época.
Numa pequena enseada em Labadia em frente à Ilha da Tartaruga, um
francês meridional com um passado visivelmente empetecado tinha
construído uma série de palhoças.
Foi nesse lugar que tive uma ideia do que o paraíso poderia ter sido. Uma
água doce e cristalina, rodeado por mulheres de todas as tezes de preto ao
bistre – enquanto a do proprietário francês era loira – e onde só bastava
mergulhar a mão para recolher lagostas sublimes que eram grelhadas na
praia e acompanhadas por um molho poderoso e enganoso: a “tite malice”
(como na Ilha da Martinica).
Eu sei a que ponto o Haiti mergulhou nos horrores da ditadura, e nos
regimes que a sucederam, assim como os desastres naturais. Naquela
época, esse canto pouco conhecido dos turistas era único e totalmente
isolado.
Eu fiquei nostálgico do Haiti, que as imagens da miséria, atualmente não
conseguem apagar.
Mas onde estão hoje os verdadeiros pintores ingênuos? A verdadeira
música haitiana? Será que tudo isso sumiu nos escombros, na morte e na
poeira?
Quando penso nisso, sinto tristeza!
Foi em Cap Haïtien que as melhores fotos de nós dois foram tomadas: em
cima de mulas, na vereda escarpada da Fortaleza do Rei Cristóvão: Dom
Quixote e Sancho Pansa!