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O amor que sabe do
tempo e do vento
Dias atrás liguei para meus pais e os dois se divertiam com as dificuldades de expressar o
amor que sentem um pelo outro. Acontece o seguinte. Toda manhã meus pais acordam, mais
ou menos no mesmo horário, e ficam abraçadinhos esperando o sol entrar pelas frestas da
persiana enquanto conversam sobre a vida. O desafio, agora, segundo minha mãe, que é
mais despachada, é encontrar uma posição em que não doa alguma parte do corpo de um e
de outro. Ora é a coluna do meu pai que se anuncia, interrompendo o beijo, ora são os
joelhos da minha mãe que gritam embaixo do cobertor. Então, ele aos quase 81, ela perto
dos 76, gastam alguns minutos encontrando uma posição em que é possível namorar sem
dor. Acabam achando. Quando não param para rir da própria condição humana, o que
também provoca algumas dores.
Para mim, a imagem do dia dos namorados, essa data tão comercial que acabou de levar
legiões aos shoppings, é a de meus pais achando uma posição para se abraçar entre as dores
de um corpo que viveu. Acho que o amor começa com som e com fúria, mas aprende na
passagem do tempo o valor das pequenas delicadezas, as manias de cada um que irritam,
mas que fazem cada um ser o que é. Aquela mirada terna e quase secreta em direção ao
outro que faz uma bobagem qualquer, para mim vale tanto ou mais que o furor do desejo.
Aprendi isso observando meus pais, primeiro com ciúmes desse amor onde eu não cabia,
porque sabiamente eles mantiveram essa parte só para eles. Depois, com curiosidade
científica e, finalmente, com ternura.
Desde que me entendo por gente, meus pais namoram. Um mistério que exigia uma
investigação que, por medo da descoberta, eu acabava sempre postergando. Por exemplo:
por que as luzes da cabeceira trocavam de cor a cada semana? Em algumas noites eram
vermelhas, em outras azuis e havia até madrugadas de verde. Eu perguntava, claro que
perguntava, e a resposta era verdadeira, mas convenientemente sucinta: “Para variar”.
Meu pai deve ter sido o único pai do mundo que passou pela Disney, numa inusitada
viagem de trabalho, comandando uma trupe de agricultores, e voltou de lá não só com