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mais uma vez e sempre outra vez. É o vazio, afinal, que nos faz inventar uma vida humana —
e não morrer antes da morte.
É o que fazemos como pais nesse momento em que um filho descobre o vazio, um
momento mais importante do que a primeira palavra ou o primeiro passo ou o primeiro
dente, que também nos torna pais. É preciso aguentar. Saber aguentar e escutar a dor de
um filho, sem tentar calar com coisas o que não pode ser calado com coisa alguma, é um ato
profundo de amor. Um momento sem palavras em que nosso silêncio diz apenas que a tarefa
de criar uma vida que faça sentido é dele, pessoal e intransferível. E tudo o que poderemos
fazer é estar mais ou menos por perto, ainda que nada possamos fazer. E um dia, talvez,
receber uma carta/e-mail na qual está escrito: “Mãe: o que eu sempre vi em você era uma
pessoa que não desistia do próprio desejo. E que nunca deixou a vida matar a vida”.
Afinal, o que legamos a um filho é o nosso movimento em busca de sentido. E este não
pode ser um arrastar-se de zumbi.
5 de novembro de 2012
Memória é tanto lembrar quanto esquecer
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Na primeira vez em que assisti a E se vivêssemos todos juntos? , pensei, ao sair do cinema
com os olhos mareados e a alma apertada no corpo como uma calça jeans dois números
menor: queria tanto escrever sobre esse filme, mas o melhor que posso escrever é só um
verbo, conjugado no imperativo, seguido de um ponto de exclamação: “Assistam!”. E escrevi
exatamente isso no Twitter. Em geral, é o melhor que podemos dizer sobre os filmes de que
gostamos, assim como “leiam!” para os livros que nos tornaram outros depois da última
página. Mas continuei desassossegada e fui uma segunda vez ao cinema. Percebi que
precisava escrever um pouco mais.
E se vivêssemos todos juntos? é um filme sobre os últimos anos de quem, graças ao
aumento da expectativa de vida, passou dos 70 e poucos. Como disse Jeanne, a personagem
de Jane Fonda, ao seguir a ambulância que carregava seu marido para o hospital, depois de
uma queda: “A gente planeja tudo, mas nunca pensa no que fazer nos últimos anos da vida”.
É disso que se trata. O filme fala de algo que precisamos falar mais: sobre envelhecer nesse
mundo, nessa época. Precisamos falar mais porque a maioria de nós vai viver esse momento.
Não é fácil vivê-lo — é uma sorte vivê-lo.