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A velhice, para Albert, se manifesta primeiro por esses lapsos de memória. Mas logo ele
terá de lidar com um dilema mais profundo: o que lembrar, o que esquecer. Sua mulher,
Jeanne (Jane Fonda), de quem já falamos lá no início, teve câncer. No começo do filme,
testemunhamos quando ela abre os exames na cozinha e descobre que a doença segue com
ela e que não terá muito mais tempo de vida. Quanto tempo, nem ela nem ninguém pode
saber.
Jeanne toma uma decisão ao rasgar os exames e enfiar os pedaços na lata de lixo. Escolhe,
por amor, não contar a Albert da sua condição. Diz a ele que está curada. Quer viver seus
últimos dias, semanas, meses sem que ele seja assombrado por sua morte. Sente-se assim
menos assombrada por ela — e mais livre para planejar seu enterro, por exemplo, mais livre
para escolher o pouco que pode escolher. Mas, num dia em que Albert está sozinho em
casa, o médico bate na porta à procura de Jeanne, que tinha se recusado a fazer a cirurgia
proposta e sumido do consultório.
Albert descobre naquele momento: 1) que a mulher vai morrer de câncer; 2) que ela
decidiu não compartilhar essa informação com ele. É isso que ele registra em seu diário. E
mais um pouco: “É um direito dela (viver sem lhe contar que em breve morrerá de câncer)”.
No dia seguinte, enquanto espia ansioso pela janela se as crianças já estão vindo para o
recreio, ele lê esse trecho no diário e tem um sobressalto.
Mais adiante, Albert e Jeanne estão vivendo em comunidade quando ele abre — por
engano? — o baú que pertence ao seu amigo Claude (Claude Rich). Já não há uma janela por
onde espiar crianças brincando, mas há outras paisagens humanas e sentimentais. Albert
sente-se desterrado, agora não apenas de sua memória, mas também de sua geografia física,
na nova casa. Mas o que relembra todos os dias ao ler o diário faz com que compreenda que
é preciso encontrar outros parceiros para encerrar a vida. Não os desconhecidos de um asilo
de velhos, mas amigos de uma vida inteira. Gente capaz de reconhecer a geografia que é ele.
Claude é um fotógrafo solteirão e sedutor, o número ímpar da pequena comunidade. E
Albert lê cartas destinadas a Claude, nas quais descobre que tanto Annie (Geraldine Chaplin)
quanto Jeanne tiveram tórridos casos extraconjugais com o melhor amigo, 40 anos atrás.
Albert registra sua descoberta na carta ininterrupta que escreve para si mesmo. E, ao reler o
diário a cada manhã, relembra a traição que pode colocar em risco o delicado equilíbrio
daquela comunidade construída sobre afeto, solidariedade e a necessidade de unir forças
contra um mundo hostil à velhice.
Albert depara-se com uma questão muito mais profunda do que os esquecimentos
involuntários causados pelo envelhecer. Ele precisa agora enfrentar a memória como
escolha. A cada manhã, ele sobressalta-se primeiro com a notícia de que a mulher tem um
câncer que a levará à morte próxima. Em seguida, com a descoberta de que ela o traiu com