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Começamos a nos preparar, como invoca Jeanne, quando nos arriscamos a pensar sobre
aquilo que nos inquieta ou inquietará — ou inquieta ou inquietará aqueles que amamos. O
cinema já descobriu essa necessidade e, só neste ano, chegaram ao Brasil pelo menos dois
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filmes que falam explicitamente sobre envelhecer: O exótico Hotel Marigold , que poderia
ser bem melhor do que é, e E se vivêssemos todos juntos?.
Neste, um grupo de velhos decide viver na mesma casa para enfrentar aquilo que os
inquieta — e seguidamente os ameaça. A iniciativa é de um deles, Jean (Guy Bedos), um
homem que passou a vida engajado em causas coletivas contra as injustiças sofridas pelos
mais fracos. Impedido de seguir para a próxima missão em algum país pobre e distante,
porque o seguro se recusa a cobrir gente da sua idade, ele aos poucos descobre que tem
uma causa bem perto dele pela qual lutar, que é também uma causa de desamparo.
E se vivêssemos todos juntos? não é um filme para velhos — mas para todos que se
interessam pela condição humana. No roteiro, aliás, aqueles que aparecem no lugar de
“filhos”, ora perplexos, às vezes distantes, em outras arrogantes na sua certeza sobre o que
é melhor para os pais — perdidos sempre — parecem precisar muito assistir a um filme como
este.
O filme, que já é muito, muito bonito mesmo, fica ainda melhor com a interpretação
impecável de grandes atores, todos eles velhos e, portanto, mais experientes do que nunca.
Todos menos um: o único jovem protagonista é o ótimo Daniel Brühl, por quem nos
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apaixonamos em Adeus, Lenin! e que tem no enredo um lugar muito particular. Ele é um
estrangeiro não só por ser um alemão na França, mas por ser um jovem em território de
velhos: estrangeiro porque só estranhando é possível enxergar.
Entre as tantas possibilidades de reflexão propostas por esse filme, há uma que me comove
mais. Ela fala de memória — e de algo crucial: memória não é apenas lembrar, é também
esquecer.
No filme, Albert (Pierre Richard) luta contra a perda da memória. Ele não sabe se já levou
o cachorro para passear ou não. “Se eu não o tivesse levado, ele estaria reclamando, não?”,
indaga-se. Para lembrar os acontecimentos recentes, que o cérebro já não registra, Albert
usa a palavra escrita. Escreve um diário sentado na poltrona do apartamento que divide com
a mulher, estrategicamente postado ao lado de uma janela que dá para os fundos de uma
escola infantil. É com um olho no caderno e o outro na janela, pela qual espera ansioso as
crianças saírem para brincar, que ele relata o sabor do vinho que tomou com os amigos, o
cardápio do jantar e aquilo que precisa lembrar quando já tiver esquecido no dia seguinte.
O diário, a narrativa da vida pela palavra escrita, é o fio que orienta Albert pelos labirintos
de um cotidiano no qual o cérebro falha em lembrar do ontem e até mesmo de alguns
minutos antes.