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somos. Não sei se torceríamos assim num episódio da vida real. E esta é a questão que a
        peça também nos deixa. O final é brilhante.

          Acho que vale a pena pensar sobre as questões que essa peça provoca. Começando por:
        qual é o nosso problema com os gordos?
          Sobre a transformação do padrão de beleza, das rechonchudas musas da Renascença às

        modelos esquálidas e/ou musculosas de hoje, já se escreveu bastante. A pergunta que me
        desperta maior interesse não se refere — apenas — ao fato de acharmos as gordas feias, de

        relacionarmos gordura com feiúra. A questão que mais me intriga é: por que muitos acham
        as gordas (e os gordos) repugnantes? Se você não disse ou pensou, já ouviu alguém dizer:
        “Olha que gorda nojenta!”.

           Horrível. Mas tão comum que nos obriga a ir em frente.
          Com todas as diferenças que, para nossa sorte, garantem a diversidade do mundo, somos

        impelidos a ser politicamente corretos. Fazer piadas com aquelas que foram as vítimas de
        sempre, até não muito tempo atrás, como negros, gays, deficientes etc., pega mal hoje em
        dia. Temos de ser politicamente corretos ou corremos o risco de ser processados — ou

        mesmo de acabar na cadeia. Por que o privilégio de não ser ridicularizado não foi estendido
        aos gordos? Sobre os gordos podem ser ditas as coisas mais cruéis. E ainda se manter do lado

        certo da força.
          O que diz o senso comum sobre os gordos? Primeiro, que são feios. Em geral, o máximo de
        elogio que um gordo consegue arrancar é: “Que pena, tem um rosto tão bonito...”. Dizem

        que são preguiçosos. Se fizessem exercícios — e como ousar não se exercitar neste mundo?
        —,  perderiam  aquela  pança.  Afirmase  também  que  são  sem-vergonhas.  Se  tivessem

        vergonha na cara, respeito próprio, fechariam a boca e seriam magros. E, então, poderiam
        pertencer ao clube dos magros felizes (ahn?!).
          Portanto, segundo o senso comum, além de feios e preguiçosos, gordos também teriam

        falhas de caráter. E, como tudo, para as mulheres acima do peso é ainda pior. Neste mundo
        em que se compram peitos, bocas e bundas no crediário, soa imperdoável não arrancar a

        gordura a faca. Já ouvi muitas vezes frases como estas, referindo-se a alguém com mais
        quilos do que o “permitido”: por que não faz logo uma cirurgia de redução de estômago?
        Seguida por uma cirurgia reparadora e uma lipoescultura? Simples assim.

          Sobre o estado psíquico dos gordos, a percepção é confusa. Por um lado, persiste a ideia
        de que todo gordo é engraçado. É um pândego. Como bobo da corte ou comediante, ele

        pode  ser  aceito.  Nós  mesmos  só  conhecíamos  Fabiana  Karla  como  atriz  do  Zorra  Total.
        Ninguém  imaginou  que,  ainda  que  fazendo  o  papel  de  “gorda”,  ela  pudesse  ter  outros
        recursos  que  não  a  graça.  Que  os  gordos  mostrem  nuances  que  não  virem  piada  nos

        surpreende. Que eles possam nos fazer pensar sobre outras dimensões da vida é inesperado.
        Que tenham questões existenciais que não girem em torno de uma balança é estarrecedor.
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