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Parece-me lógico que o envelhecimento traga doenças. A vida nos gasta. Nosso corpo
também tem prazo de validade. Pela biologia, estamos prontos para morrer assim que
alcançamos a idade reprodutiva, transmitimos nossos genes e criamos nossa prole.
Conseguimos, à custa da Ciência (e ainda bem que conseguimos!) espichar nosso tempo de
vida e até com qualidade crescente. Mas, infelizmente, não vamos nos livrar das doenças.
Nem de morrer. É duro olhar para os limites. Mas não fazê-lo pode ser pior.
Os gordos podem ser vítimas de nosso medo de morrer. Pagam um preço alto pela nossa
dificuldade de lidar com a desordem inerente à existência humana. Tornamos suas vidas
insuportáveis — inclusive as lojas bacanas, que se recusam a oferecer números maiores que
42 — porque eles apontam em seus excessos aquilo que nos falta a todos: controle sobre a
vida. Esta é uma hipótese apenas. Acredito que existam muitas outras.
Acho importante tentar compreender por que insistimos em jogar os gordos na fogueira
contemporânea. Por todas as razões que dizem respeito à vida de todos — e principalmente
para não infligirmos sofrimento ao outro que nos ameaça com sua diferença. Só sei o óbvio:
tanto medo, capaz de causar repugnância, revela mais sobre os magros do que sobre os
gordos.
Talvez, num dia próximo, não seja preciso escrever em termos de “nós” — e “eles”. A vida
é diversa. Sempre houve os magros, os gordos, os altos, os baixos, os de olhos azuis, os de
pele escura. Essa riqueza é um patrimônio humano que fez muito bem à espécie. Ser capaz
de reter gordura, aliás, garantiu nossa sobrevivência por milênios. Quando os gordos lutam
para ser magros, estão brigando contra a biologia. Algo nada fácil de fazer. Muito menos de
vencer.
Se engordamos — por herança genética ou outras razões —, não há um só caminho a
seguir, uma única estrada para a luz. Pelo menos acredito que não. Emagrecer não é a única
alternativa — seja para atender ao padrão de beleza vigente ou para responder ao modelo
de saúde atual. A vida é um pouco mais complexa do que isso. E há muitas maneiras de medir
sua qualidade — assim como o significado de uma existência plena varia de uma pessoa para
outra, tanto quanto sua disposição genética para esta ou aquela doença.
Se um dia eu engordar muito e tiver problemas de saúde por causa do peso, possivelmente
vou optar por continuar comendo minha feijoada semanal. Porque comer o que gosto é uma
dimensão essencial da vida para mim — importante o suficiente para não abrir mão dela.
Para outra pessoa, privar-se de seus pratos preferidos pode valer a pena em nome de uma
vida mais longa ou de vestir um tamanho 38. Cada um tem suas prioridades. É bom
lembrarmos que o pensamento dominante atual sobre a saúde não é apenas um produto do
avanço da medicina, mas um produto da cultura. E do mercado.
A “gorda” da peça teatral não quer ser magra. Depois de um percurso sofrido na
adolescência, ela gosta do que é. E nós, na plateia, também gostamos. Em determinado