Page 60 - C:\Users\Leal Promoções\Desktop\books\robertjoin@gmail.com\thzb\mzoq
P. 60

Parece-me lógico que o envelhecimento traga doenças. A vida nos gasta. Nosso corpo
        também  tem  prazo  de  validade.  Pela  biologia,  estamos  prontos  para  morrer  assim  que

        alcançamos  a  idade  reprodutiva,  transmitimos  nossos  genes  e  criamos  nossa  prole.
        Conseguimos, à custa da Ciência (e ainda bem que conseguimos!) espichar nosso tempo de
        vida e até com qualidade crescente. Mas, infelizmente, não vamos nos livrar das doenças.

        Nem de morrer. É duro olhar para os limites. Mas não fazê-lo pode ser pior.
          Os gordos podem ser vítimas de nosso medo de morrer. Pagam um preço alto pela nossa

        dificuldade de lidar com a desordem inerente à existência humana. Tornamos suas vidas
        insuportáveis — inclusive as lojas bacanas, que se recusam a oferecer números maiores que
        42 — porque eles apontam em seus excessos aquilo que nos falta a todos: controle sobre a

        vida. Esta é uma hipótese apenas. Acredito que existam muitas outras.
          Acho importante tentar compreender por que insistimos em jogar os gordos na fogueira

        contemporânea. Por todas as razões que dizem respeito à vida de todos — e principalmente
        para não infligirmos sofrimento ao outro que nos ameaça com sua diferença. Só sei o óbvio:
        tanto medo, capaz de causar repugnância, revela mais sobre os magros do que sobre os

        gordos.
          Talvez, num dia próximo, não seja preciso escrever em termos de “nós” — e “eles”. A vida

        é diversa. Sempre houve os magros, os gordos, os altos, os baixos, os de olhos azuis, os de
        pele escura. Essa riqueza é um patrimônio humano que fez muito bem à espécie. Ser capaz
        de reter gordura, aliás, garantiu nossa sobrevivência por milênios. Quando os gordos lutam

        para ser magros, estão brigando contra a biologia. Algo nada fácil de fazer. Muito menos de
        vencer.

          Se engordamos — por herança genética ou outras razões —, não há um só caminho a
        seguir, uma única estrada para a luz. Pelo menos acredito que não. Emagrecer não é a única
        alternativa — seja para atender ao padrão de beleza vigente ou para responder ao modelo

        de saúde atual. A vida é um pouco mais complexa do que isso. E há muitas maneiras de medir
        sua qualidade — assim como o significado de uma existência plena varia de uma pessoa para

        outra, tanto quanto sua disposição genética para esta ou aquela doença.
          Se um dia eu engordar muito e tiver problemas de saúde por causa do peso, possivelmente
        vou optar por continuar comendo minha feijoada semanal. Porque comer o que gosto é uma

        dimensão essencial da vida para mim — importante o suficiente para não abrir mão dela.
        Para outra pessoa, privar-se de seus pratos preferidos pode valer a pena em nome de uma
        vida  mais  longa  ou  de  vestir  um  tamanho  38.  Cada  um  tem  suas  prioridades.  É  bom

        lembrarmos que o pensamento dominante atual sobre a saúde não é apenas um produto do
        avanço da medicina, mas um produto da cultura. E do mercado.

          A  “gorda”  da  peça  teatral  não  quer  ser  magra.  Depois  de  um  percurso  sofrido  na
        adolescência, ela gosta do que é. E nós, na plateia, também gostamos. Em determinado
   55   56   57   58   59   60   61   62   63   64   65