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suas filhas. Estas mães são responsáveis pelo que acontece em suas casas. Não há dúvida
        sobre isso. Mas são más? Também elas são monstruosas e merecem nosso escárnio?

          Lembro de duas mulheres — mãe e filha. Quando as entrevistei, a mãe tinha 37 anos. Havia
        sido violada pelo pai aos nove anos. Era uma mulher simples, muito tímida. Ela contou:
        “Quando  eu  tinha  12  anos,  senti  uma  coisa  mexendo  na  minha  barriga.  Achei  que  era

        lombriga. Mas era um bebê do meu pai”. Mais tarde, ela se casou. Teve esta filha. E, quando
        a menina completou nove anos, o pai abusou dela. Quando as encontrei, a garota também

        tinha uma filha do próprio pai. Viviam todos na mesma casa. Já tinham pedido ajuda ao
        conselho tutelar e à polícia, mas até aquele momento nenhuma das instituições parecia
        saber o que fazer com elas.

          Nada é fácil neste tema. O que parece claro é que só há chance para todos se houver uma
        quebra do silêncio que costuma cercar esses crimes, especialmente quando acontece entre

        as quatro paredes da casa — ou entre os muros da Igreja Católica e de outras instituições.
        Em casos de violência contra crianças, os adultos precisam responder pelos seus atos — ou
        por ter encoberto a violência de terceiros. Mas é preciso mais do que interromper e punir: é

        necessário amparar e ajudar vítimas e algozes a elaborar os atos que sofreram ou os que
        cometeram, com tratamento e de todas as maneiras possíveis. Ou tudo poderá se repetir,

        num ciclo interminável de sofrimento.
          Para quem estiver disposto a olhar para a face do abusador e nela reconhecer um homem
        — e não um monstro —, recomendo um filme excepcional. Com uma interpretação magistral

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        de Kevin Bacon, O lenhador  é um filme delicado e corajoso. Seu mérito é não reduzir a vida
        a uma batalha entre monstros e homens. Ao acompanharmos a trajetória do protagonista,

        compreendemos que o pior monstro é o homem que o habita. A ele e a todos nós, de
        diversas maneiras.

          O papa e sua igreja — sempre mais humanos e terrenos do que os fiéis e eles mesmos
        gostariam — vivem um momento delicado. Penso que, para além das obrigações legais e
        éticas de qualquer cidadão, o que faltou aos representantes do clero que sabiam o que

        acontecia e nada fizeram foi um dos pilares do cristianismo: compaixão. Pelas vítimas. E
        também pelo pedófilo. Acredito que o padre Lawrence Murphy e todos os seus colegas que

        cometeram o mesmo crime mereciam a compaixão de serem impedidos, também pela sua
        igreja, de continuar violando crianças.

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        9 O lenhador é dirigido por Nicole Kassell (2004, EUA).
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