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se equivoca — e pensa que seu trabalho acaba quando o bebê morre, apesar de todos os
esforços de cura.
Numa visão mais ampla e profunda da saúde, a função de uma equipe é ajudar essa família
a sepultar — também simbolicamente — o seu bebê. É importante que essa vida seja não
esquecida, mas lembrada como uma história que, apesar de curta, teve bons e maus
momentos, como todas as vidas. Lembrada em fotos e recordações, como parte da trajetória
daquela família. Uma trajetória que segue.
Para isso, é necessário abarcar a dimensão dessa perda. Passei parte da minha vida sem
entender como alguém que só tinha vivido cinco meses, que morreu antes de falar uma única
palavra, pudesse ser tão importante. Quando, depois de adulta, testemunhei amigas que
perderam seus bebês, ainda na gravidez, também não entendia por que sofriam tanto.
Afinal, aquela criança nem tinha existido.
Só agora apalpo o tamanho da minha ignorância. A vida de um bebê começa sempre muito
antes, na cabeça de cada pai, de cada mãe. E inicia por suas mais caras esperanças. Quando
termina, é óbvio que só pode ser avassalador. Se esses pais, essa família, não forem cuidados,
perdem partes essenciais de si mesmos — partes sem as quais não conseguem viver por
inteiro.
Sempre acreditei que meu pai havia sofrido menos que minha mãe por essa morte. Ele
raramente falava no assunto. Minha irmã não parecia tão presente em sua vida, o que me
dava enorme alívio. Há dois anos, resolvi registrar a história dos meus pais. Eles me contam
a vida, eu gravo. Tenho feito descobertas extraordinárias nesse processo. Uma delas foi a
dor do meu pai.
Ele me contou, rosto contraído e voz embargada, que o maior sofrimento de sua vida foi a
morte da minha irmã. Fiquei paralisada. Aquele homem, que ficara órfão de pai e mãe antes
dos 15 anos, que havia perdido quatro irmãos ainda na infância, me dizia que a maior dor de
sua vida foi perder seu bebê.
Só então comecei a compreender. Ao fazer a reportagem sobre os bebês perdidos de
outros pais, testemunhei o lugar ambíguo dos homens na morte de um recém-nascido. Há
um reconhecimento social de que, por ter gerado, a mulher é, se não a única, a maior
sofredora. Muitas vezes seu sofrimento é tão avassalador que não deixa espaço para a dor
do homem, do pai daquele bebê.
O homem, que foi educado para suportar o sofrimento em silêncio, para proteger a
mulher, para ser o provedor e o esteio — e ainda hoje esses papéis são mais cimentados do
que parece —, aceita um lugar menor no luto. O descompasso entre a realidade interna e a
externa, a falta de espaço para elaborar o que lhe rói por dentro, costuma gerar confusão e
conflitos. E às vezes até o fim do casamento.