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A mãe órfã
















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        Minha última reportagem sobre o morrer se chama “O filho possível”                     . Eu e o fotógrafo
        Marcelo Min contamos a história — e as histórias — de uma UTI neonatal que também cuida

        dos  pais.  A  Divisão  de  Neonatologia  do  Centro  de  Atenção  Integral  à  Saúde  da  Mulher
        (Caism), da Universidade de Campinas (Unicamp), é talvez o único berçário do Brasil que

        pratica os cuidados paliativos. Como toda unidade neonatal, trabalha com algo ao mesmo
        tempo terrível e delicado: a morte de quem acabou de nascer. O fim abrupto de uma vida
        que existia no imenso desejo dos pais — e que não teve tempo de se realizar.

          Na  maioria  das  unidades  neonatais  do  país,  como  na  maioria  dos  hospitais  gerais,  os
        profissionais acreditam que seu trabalho termina quando não há como curar um paciente.

        Na neonatologia do Caism, a equipe de saúde acredita que cuidar da saúde é bem mais do
        que curar. Muitas vezes não dá para curar. Mas sempre dá para cuidar. E cuidar também
        salva.

          Salva a vida breve do bebê que se vai, ao empreender todos os esforços para que não sinta
        dor, ao suspender qualquer tratamento invasivo e desnecessário, ao permitir que fique no

        colo da mãe, do pai, da avó. E salva a vida dos que ficam, ao compreender a dimensão dessa
        perda para cada família. Ao cuidar com delicadeza dessa morte — e do luto.
          Essa prática de saúde acaba de entrar, oficialmente, na agenda da medicina brasileira. O

        novo Código de Ética Médica inclui os cuidados paliativos entre as normas que devem ser
        seguidas pelos médicos no exercício da profissão. É o início de um caminho de retorno a uma

        medicina que enxerga uma pessoa — e não uma doença. Capaz de reconhecer limites e
        suspender procedimentos invasivos quando, em vez de benefício, eles só causarem dor ou
        roubarem a consciência dos pacientes. Os profissionais perdem onipotência — e ganham

        humanidade.
          Os cuidados paliativos surgiram na Inglaterra nos anos 60. No Brasil, é um movimento cada
        vez  mais  forte,  levado  adiante  por  um  punhado  de  médicos,  psicólogos  e  enfermeiros

        idealistas,  mas  ainda  distante  do  cotidiano  da  maioria  dos  hospitais.  As  equipes  que
        trabalham nessa perspectiva cuidam, em geral, de pacientes adultos com câncer e outras

        doenças com escassas chances de cura.
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