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Pedófilo é gente?
Li muitas reportagens e artigos sobre pedofilia desde que estourou o mais recente escândalo
da Igreja Católica. O tema é difícil para mim. Decidi escrever sobre ele apenas porque me
parece que um aspecto foi esquecido — ou quase. O sofrimento. Pedófilos não são monstros,
como a maioria de nós preferiria. São gente. E muitos deles — não todos — sofrem pelos
atos que cometeram. E prefeririam não ser o que são.
A polêmica aumentou de tom depois de o jornal americano New York Times denunciar que
o Papa Bento XVI teria encoberto os crimes do padre Lawrence Murphy, nos Estados Unidos,
quando ainda era cardeal. O padre, hoje morto, é acusado de abusar de 200 meninos surdos.
O suposto envolvimento do papa na ocultação da violência é negado com veemência pelo
Vaticano. As denúncias de pedofilia cometidas pelo clero católico continuam, nos Estados
Unidos e em diferentes países da Europa. Em algumas delas, Bento XVI tem sido acusado de
encobrir os casos ou demorar a tomar providências em períodos anteriores ao papado.
Interessa-me aqui falar menos da Igreja Católica e do papa — e mais de nosso olhar sobre
a pedofilia e o abuso sexual. Nunca faz bem para a compreensão de problemas complexos
dividir o mundo entre bons e maus, bandidos e mocinhos, monstros e homens. A vida fica
supostamente mais simples, mas é uma simplicidade falsa, já que nada se resolve se não
encaramos a humanidade daquele que nos provoca horror.
O abuso sexual cometido contra crianças nos horroriza. E acredito que nos horroriza por
várias razões, algumas delas óbvias. Mas também porque a maior parte dos abusos é infligida
dentro de casa, por familiares. Os abusadores mais frequentes são pais, padrastos, tios,
primos, irmãos. Algumas vezes mulheres: mães, madrastas, tias, primas, irmãs. A maior parte
dos abusos é incesto — uma palavra muito mais carregada de sentidos e de complexidade
do que talvez possamos suportar.
As estatísticas mostram que as mulheres abusariam bem menos que os homens, mas há
dúvidas sobre isso. Como afirma uma psicanalista com quem conversei: “Às mães e às
mulheres, em geral, são permitidas algumas liberdades com os filhos, enteados, sobrinhos.
Alguns comportamentos parecem mais naturais às mulheres que aos homens. Me parece
que o abuso cometido por mulheres é ainda mais mascarado. No presídio feminino onde eu
trabalho, há uma ala para abusadoras. E ela está cheia”.