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Capítulo 6

                    zontal e coletivamente. Essa reflexão é reforçada quando pensamos que o
                    procedimento exclusivamente quantitativo “é incapaz de identificar pre-
                    juízos que decorrem das dinâmicas desencadeadas a partir do desastre”
                    (GESTA/UFMG, 2016, p. 12).
                    Como já é reconhecido em estudos sobre o tema (SOROKIN, 1942; VA-
                    LêNCIO, 2014a, 2014b), os processos que se desdobram com o desastre
                    possuem uma cronologia específica que quase sempre vai além do dia e
                    do momento exato do rompimento da barragem, contrapondo-se, por-
                    tanto, à fixação do marco temporal “na data do evento”, conforme aparece
                    no cadastro. Ademais, a complexidade das afetações tampouco será iden-
                    tificada a partir de um cadastro que prioriza a quantificação e a moneta-
                    rização dos danos sofridos em detrimento dos sentimentos e das narrati-
                    vas dos atingidos (GESTA/UFMG, 2016), ocasionando, muitas vezes, uma
                    simplificação da realidade vivida pelos atingidos.

                    Diante do exposto, entendemos que a racionalidade que operou por trás
                    da criação da Fundação Renova, instituída pelas mineradoras Vale e BHP
                    Billiton e com o respaldo do Governo Federal e instituições estaduais,
                    partiu da perspectiva da solução do problema da Samarco e não da reali-
                    dade vivida nos territórios afetados pelo crime cometido pelas empresas
                    em questão. Sendo assim, não é surpresa que a atuação da Fundação Re-
                    nova contribua para o aumento da confusão, desconfiança e preocupação
                    das vítimas da lama com o derrame dos rejeitos. A necessidade de nego-
                    ciar com a fundação de direito privado é constantemente questionada nos
                    territórios. Será que só serão indenizados os que aceitarem os acordos do
                    Plano de Indenização Mediada (PIM) no balcão indenizatório cujos termos
                    têm despertado mais insatisfação que acalento após dois anos do crime?
                    Existirão meios de reparação dos danos que estejam fora da governança
                    das empresas nos territórios de vida, trabalho e socialização dos atingi-
                    dos? Tais dúvidas evidenciam o distanciamento das populações atingidas
                    com o processo de gestão da crise e, sobretudo, com os acordos reitera-
                    damente assinados entre o Estado brasileiro e as empresas mineradoras.
                    Esse distanciamento nos remete à situação de margens e violência (DAS &
                    POOLE, 2008) aos quais as vítimas estão submetidas no contexto do de-
                    sastre analisado: os direitos são reiteradamente negados, ora pela atuação
                    das empresas, ora pela atuação (ou omissão) do Estado.






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