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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               dades são requeridas dos interlocutores com que trabalhamos: participar
               de extensas e constantes reuniões, elaborar projetos, controlar mensal-
               mente as novas despesas, organizar documentos, responder instrumen-
               tos quantitativos de pesquisa. Esses são, portanto, exemplos de como o
               desastre  é um  processo  que  continua  em curso na  vida  dos atingidos,
               não se limitando, portanto, ao dia do rompimento da barragem. Zhouri
               e colaboradores (2017) analisaram aspecto semelhante com as vítimas do
               desastre em Mariana (MG), ressaltando a difícil e dolorosa tarefa de tor-
               nar-se atingido. Dessa forma, compreendemos que, para além dos efeitos
               ocasionados pela lama no rio e no mar, a forma como tem se dado o ge-
               renciamento dessa crise, a partir de um distanciamento das decisões por
               parte dos atingidos e de uma autonomia das empresas para lidar com a
               situação, proporciona uma ampliação do sofrimento nos territórios estu-
               dados. O protagonismo da Fundação Renova em caracterizar e mensurar
               o dano ocorre a despeito dos interesses das populações atingidas.

               Retomando as análises sobre o cadastro, salientamos que o instrumento
               é apontado pela Fundação Renova como um procedimento necessário
               para mapear os atingidos e os danos materiais sofridos em decorrência
               do desastre. A ação do cadastro integrado consiste em visitas domiciliares
               em que uma equipe de funcionários da Synergia – geralmente uma dupla
               – visita as famílias atingidas e aplica o cadastro, na forma de um extenso
               e cansativo instrumento quantitativo. De acordo com o Grupo de Temá-
               ticas Ambientais (GESTA/UFMG), que fez uma análise do instrumento
               em destaque, o tempo de aplicação do cadastro é extenso e a termino-
               logia utilizada destoa do léxico da população regional, o “que obstrui a
               participação plena dos atingidos no processo” (GESTA/UFMG, 2016) de
               definição e mensuração do dano sofrido.
               Tanto essa análise da aplicação do questionário em Minas Gerais quanto
               a experiência de acompanhar a aplicação do questionário com a família
               ribeirinha na foz do Rio Doce reforçam o entendimento de que o instru-
               mento metodológico cadastro integrado aumenta a sensação de distancia-
               mento e desconfiança entre os atingidos e a empresa. Esse distanciamen-
               to é reforçado quando levamos em conta a individualização da discussão
               dos danos. Como eles são, muitas vezes, coletivos, talvez a discussão pu-
               desse resultar em mais eficiência nas ações de reparação, se os danos fos-
               sem discutidos de forma clara, transparente, não individualizada, hori-




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