Page 34 - Franz Kafka: A metamorfose
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que não cabia noutro sítio e presentemente havia lá uma série delas, pois um dos
        quartos tinha sido alugado a três hóspedes. Tratava-se de homens de aspecto grave,
        qualquer deles barbado, conforme Gregor verificara um dia, ao espreitar através de
        uma fenda na porta, que tinham a paixão da arrumação, não apenas no quarto que
        ocupavam, mas também, como habitantes da casa, em toda ela, especialmente na
        cozinha. Não suportavam objetos supérfluos, para não falar de imundícies. Acresce
        que tinham trazido consigo a maior parte do mobiliário de que necessitavam. Isso
        tornava dispensáveis muitas coisas, que, insusceptíveis de venda mas mal emprega-
        das para deitar fora, iam sendo acumuladas no quarto de Gregor, juntamente com o
        balde da cinza e a lata do lixo da cozinha. Tudo o que não era preciso de momento,
        era, pura e simplesmente, atirado para o quarto de Gregor pela empregada, que
        fazia tudo às pressas. Por felicidade, Gregor só costumava ver o objeto, fosse qual
        fosse, e a mão que o segurava. Talvez ela tivesse intenção de tornar a levar as coisas
        quando fosse oportuno, ou de juntá-las para um dia mais tarde as deitar fora ao
        mesmo tempo; o que é fato é que as coisas lá iam ficando no próprio local para
        onde ela as atirava, exceto quando Gregor abria caminho por entre o monte de
        trastes e as afastava um pouco, primeiramente por necessidade, por não ter espaço
        suficiente para rastejar, mas mais tarde por divertimento crescente, embora após
        tais excursões, morto de tristeza e cansaço, permanecesse inerte durante horas. Por
        outro lado, como os hóspedes jantavam freqüentemente lá em casa, na sala de estar
        comum, a porta entre esta e o seu quarto ficava muitas noites fechada;
        Gregor sempre aceitara facilmente esse isolamento, pois muitas noites em que a
        deixavam aberta tinha-se alheado completamente do acontecimento, enfiando-se
        no recanto mais escuro do quarto, inteiramente fora das vistas da família. Numa
        ocasião, a empregada deixou a porta ligeiramente aberta, assim tendo ficado até à
        chegada dos hóspedes para jantar, altura em que se acendeu o candeeiro. Sentaram-
        se à cabeceira da mesa, nos lugares antigamente ocupados por Gregor, pelo pai e
        pela mãe, desdobraram os guardanapos e levantaram o garfo e a faca. A mãe as-
        somou
        imediatamente à outra porta com uma travessa de carne, seguida de perto pela filha,
        que transportava outra com um montão de batatas. Desprendia-se da comida um
        fumo espesso. Os hóspedes curvaram-se sobre ela, como a examiná-la antes de se
        decidirem a comer. Efetivamente, o do meio, que parecia dispor de uma certa au-
        toridade sobre os outros, cortou um pedaço da carne da travessa, certamente para
        verificar se era tenra ou se havia que mandá-la de volta à cozinha. Mostrou um ar
        de aprovação, que teve o dom de provocar na mãe e na irmã, que os observavam
        ansiosamente, um suspiro de alívio e um sorriso de entendimento.
        A família de Gregor comia agora na cozinha. Antes de dirigir-se à cozinha, o pai de
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