Page 35 - Franz Kafka: A metamorfose
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Gregor vinha à sala de estar e, com uma rasgada vênia, de boné na mão, dava a volta
        à mesa. Os hóspedes levantavam-se todos e murmuravam qualquer coisa por entre
        as barbas. Quando tomavam a ficar sós, punham-se a comer, em quase completo
        silêncio. Gregor estranhou que, por entre os vários sons provenientes da mesa, fosse
        capaz de distinguir o som dos dentes a mastigarem a comida. Era como se alguém
        pretendesse demonstrar-lhe que para comer era preciso dispor de dentes e que, com
        mandíbulas que os não tivessem, por melhores que elas fossem, ninguém podia
        fazê-lo. Fome, tenho eu, disse tristemente Gregor, de si para si, mas não é de comida
        desta. Estes hóspedes a empanturrarem-se e eu para aqui a morrer de fome.
        Durante todo o tempo que ali passara, Gregor não se lembrava de alguma vez ter
        ouvido a irmã a tocar; nessa mesma noite, ouviu o som do violino na cozinha. Os
        hóspedes tinham acabado de jantar. O do meio trouxera um jornal e dera uma
        página a cada um dos outros; reclinados para trás, liam-no, enquanto fumavam.
        Quando se ouviu o som do violino, apuraram os ouvidos, levantaram-se e dirigi-
        ram-se nos bicos dos pés até à porta do vestíbulo, onde se detiveram, colados uns
        aos outros, à escuta. Sem dúvida apercebendo-se, na cozinha, dos seus movimentos,
        o pai de Gregor perguntou:
        - Incomoda-os o som do violino, meus senhores? Se incomoda, paro agora.
        Pelo contrário - replicou o hospede do meio -, não poderá a Menina Samsa vir tocar
        ali para a sala ao pé de nós? Sempre é mais apropriado e está-se muito melhor.
        - Oh, com certeza - respondeu o pai de Gregor, como se fosse ele o violinista.
        Os hóspedes regressaram à sala de estar, onde ficaram à espera. Imediatamente apa-
        receu o pai de Gregor com a estante de música, a mãe com a partitura e a irmã com
        o violino. Grete fez silenciosamente os preparativos para tocar. Os pais, que nunca
        tinham alugado ‘quartos e por esse motivo tinham uma noção exagerada da corte-
        sia devida aos hóspedes, não se atreveram a sentar-se nas próprias cadeiras. o pai
        encostou-se à porta, com a mão direita enfiada entre dois botões do casaco, cerimo-
        niosamente abotoado até acima. Quanto à mãe, um dos hóspedes ofereceu-lhe a ca-
        deira, onde se sentou a uma borda, sem sequer a mexer do sítio onde ele a colocara.
        A irmã de Gregor começou a tocar, enquanto os pais, sentados de um lado e do
        outro, lhe observavam atentamente os movimentos das mãos. Atraído pela música,
        Gregor aventurou-se a avançar ligeiramente, até ficar com a cabeça dentro da sala de
        estar. Quase não se surpreendia com a sua crescente falta de consideração para com
        os outros; fora-se o tempo em que se orgulhava de ser discreto. A verdade, porém, é
        que, agora mais do que nunca, havia motivos para ocultar-se: dada a espessa quan-
        tidade de pó que lhe enchia o quarto e que se levantava no ar ao menor movimento,
        ele próprio estava coberto de pó. Ao deslocar-se, arrastava atrás de si cabelos e res-
        tos de comida que se lhe agarravam ao dorso e aos flancos. A sua
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