Page 100 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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e a mãe voltou a cantar ao piano. Às vezes brincava de tal jeito com as
                  crianças, que tia Lera dizia:

                         – Você, Mabel, é mais criança do que as crianças.

                         Quando  as  coisas  vão  mal,  parece  que  vão  de  mal  a  pior  durante
                  certo tempo; mas quando começam a ir bem, parecem cada vez melhores.

                         Depois de seis semanas dessa vida feliz, chegou da índia uma carta
                  do pai do Digory. O já velho tio-avô Kirke havia morrido; pelo jeito, o pai
                  agora  estava  riquíssimo.  Iria  aposentar-se  e  deixar  a  índia  para  sempre.
                  Morariam  na  grande  casa  de  campo,  da  qual  Digory  ouvira  falar  a  vida
                  inteira  mas  na  qual  jamais  pusera  os  olhos:  o  casarão  com  armaduras,
                  estábulos, canis, bosques, parreiras e montanhas lá no fundo. Digory sentiu
                  que  seriam  para  sempre  felizes.  Mas  devo  contar  para  você  mais  duas
                  coisas.
                         Polly e Digory continuaram grandes amigos e encontravam-se quase
                  todas as férias na casa de campo. Foi aí que ela aprendeu a montar, a nadar,
                  a tirar leite, a fazer bolo e a subir em montanhas.

                         Em Nárnia, os bichos viveram em grande tranqüilidade: a feiticeira
                  não  apareceu  para  perturbar  a  paz,  nem  nenhum  outro  inimigo,  durante
                  centenas de anos. O rei Franco, a rainha Helena e os filhos viveram felizes
                  em Nárnia. Os meninos casaram-se com ninfas e as meninas com deuses da
                  floresta e do rio. O poste que a feiticeira plantara sem querer brilhava noite
                  e dia na floresta narniana; o lugar passou a chamar-se Ermo do Lampião.
                  Quando, anos mais tarde, outra criança de nosso mundo chegou a Nárnia,
                  numa noite de neve, a luz ainda estava acesa. Essa aventura está de certo
                  modo ligada às outras que estou acabando de contar.

                         Foi  assim:  o  miolo  da  maçã  plantado  por  Digory  no  quintal
                  transformou-se  numa  linda  árvore.  Crescendo  no  solo  de  nosso  mundo,
                  muito longe da voz de Aslam e do ar novo de Nárnia, não deu frutos que
                  fizessem  reviver  uma  pessoa  doente,  como  aconteceu  com  a  mãe  de
                  Digory, embora suas maçãs fossem mais belas do que todas as outras da
                  Inglaterra, incrivelmente salutares, mas não de todo mágicas.

                         Mas  dentro  dela,  na  sua  própria  seiva,  a  árvore  (por  assim  dizer)
                  nunca  se  esqueceu  da  árvore  de  Nárnia  à  qual  pertencera.  Às  vezes
                  balançava-se misteriosamente, quando não havia vento soprando. Creio que
                  nesses instantes havia altos ventos em Nárnia.

                         De qualquer forma, viu-se mais tarde que a árvore guardava magia
                  em sua madeira. Pois quando Digory era um homem de  meia-idade (um
                  famoso professor, dado a grandes viagens), já proprietário da mansão dos
                  Ketterley no campo, uma grande tempestade derrubou a árvore. Como não
                  lhe agradasse a idéia de cortá-la e aproveitar a lenha na lareira, o professor
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