Page 98 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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sabiam que podiam encontrá-la ali perto, numa esquina ou atrás de uma
porta.
Um minuto depois, os três (tio André já acordado) despencaram no
barulho e no cheiro forte de Londres.
Achavam-se na calçada, diante da casa dos Ketterley. Tudo como
antes, menos a feiticeira, o cavalo e o cocheiro. Faltava a barra no poste; lá
estavam os restos do cabriolé; e lá também estava a multidão. Todos
falavam, e pessoas ajoelhavam-se diante do policial ferido, perguntando:
“Como está?”, “Sente-se melhor?”, “A ambulância estará aqui num
instantinho”.
– Puxa! – disse Digory para si mesmo. – Parece que a aventura toda
aconteceu num abrir e fechar de olhos.
Muitos procuravam Jadis e o cavalo. Ninguém tomou conhecimento
das crianças, pois ninguém percebeu que tinham ido e voltado. Quanto a tio
André, pelo estado de suas roupas e pela cara cheia de mel, não poderia ter
sido reconhecido por ninguém. Felizmente a porta da frente estava aberta e
a empregada continuava lá, apreciando a confusão (que dia fabuloso teve a
moça!), e assim as crianças não tiveram dificuldade de empurrar tio André
para dentro, antes que fizessem qualquer pergunta.
Ele correu pelas escadas, à frente; as crianças temeram que
demandasse o sótão para esconder os anéis restantes. Mas não precisavam
preocupar-se. Tio André procurava uma garrafa escondida no guarda-
roupa. Saiu de roupão e foi direto para o banheiro.
Digory perguntou a Polly:
– Será que você pode apanhar os outros anéis? Quero ver mamãe.
– Perfeito. A gente se vê mais tarde. – E Polly subiu para o sótão.
Digory respirou fundo e, na ponta dos pés, dirigiu-se ao quarto da
mãe. Muitas vezes a vira naquela mesma atitude, afundada nos travesseiros,
o rosto pálido e magro de trazer lágrimas aos olhos. O menino tirou do
bolso a Maçã da Vida.
Assim como a feiticeira parecia diferente em nosso mundo, também
o fruto do jardim da montanha parecia diferente. Havia muitas coisas
coloridas no quarto, é claro: a colcha, o papel de parede, a luz do sol na
vidraça, e a bonita blusa azul da mãe do menino. Mas, quando Digory
retirou a maçã do bolso, essas coisas todas nem pareciam ter cor. Até a luz
do sol parecia mortiça. O fulgor da maçã lançava estranhas luzes no teto.
Nada mais merecia ser olhado, e nem era mesmo possível olhar para outra
coisa. E o perfume da maçã era como se a janela daquele quarto desse para
o paraíso.