Page 176 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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afastou-se, e, do esconderijo, as meninas puderam ver o rosto de Aslam,
                  pequenino e tão diferente sem a juba! Os inimigos também notaram isso:

                         – Vejam: não passa de um gatão!

                         – E é disso que a gente tinha medo?

                         Rodearam Aslam, zombando dele a valer:
                         – Miau! Miau! Coitadinho do bichano! Quantos camundongos você
                  papou hoje? Quer um pires de leite, bichinho?

                         – Que audácia! – disse Lúcia, com lágrimas correndo pelo rosto. –
                  Perversos! Malvados!

                         Passada a primeira impressão, a cara tosquiada de Aslam parecia-lhe
                  ainda mais valente, mais bela e mais resignada do que nunca.

                         –  Amordacem-no!  –  gritou  a  feiticeira.  Mesmo  agora,  quando  lhe
                  punham a focinheira, uma dentada dele bastaria para decepar, pelo menos,
                  as  mãos  de  dois  ou  três.  Ao  vê-lo  amordaçado  e  amarrado,  os  mais
                  covardes  ganharam  ânimo.  Por  instantes,  as  meninas  nem  sequer
                  conseguiram vê-lo, rodeado como estava por aquela horda infernal, que lhe
                  batia, dava pontapés, cuspia-lhe em cima, insultava-o.

                         Por fim a turba ficou cansada. E o Leão, amarrado e amordaçado, foi
                  arrastado para a Mesa de Pedra, puxado por uns, empurrado por outros. Era
                  tão grande que, mesmo depois de o terem arrastado até lá, só com o esforço
                  de  todos  foi  possível  içá-lo  e  colocá-lo  em  cima  da  mesa.  Depois,
                  amarraram-no e apertaram-lhe outra vez as cordas.
                         –  Covardes!  Covardões!  –  soluçava  Susana.  –  Será  possível  que
                  ainda tenham medo dele?

                         Logo  que  acabaram  de  amarrar  Aslam  à  Mesa  de  Pedra  (mas  tão
                  amarrado que mais parecia um novelo), fez-se silêncio. Quatro bruxas, aos
                  quatro  cantos  da  mesa,  erguiam  seus  fachos.  A  feiticeira  desnudou  os
                  braços, como fizera na noite anterior com Edmundo. Depois, começou a
                  afiar  o  facão.  Quando  o  brilho  do  facho  caiu  sobre  ele,  Susana  e  Lúcia
                  acharam que o facão era de pedra e não de aço, e tinha uma forma esquisita
                  e nada agradável.

                         Por  fim  a  feiticeira aproximou-se. Parou  junto da cabeça do Leão.
                  Seu  rosto  vibrava  e  contorcia-se  de  ódio.  O  dele,  sempre  calmo,  olhava
                  para o céu, com uma expressão que não era nem de ira, nem de medo, um
                  pouco  triste  apenas.  Um  momento  antes  de  desferir  o  golpe,  a  feiticeira
                  inclinou-se e disse, vibrando com a voz:

                         –  Quem  venceu, afinal?  Louco!  Pensava  com  isso poder  redimir  a
                  traição da criatura humana?!
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