Page 179 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Espero  que  ninguém  que  esteja  lendo  esta  história  alguma  vez  na
                  vida tenha sido  tão  infeliz quanto  Susana  e  Lúcia naquela noite.  Mas  se
                  você sabe  o  que é  isso, se  já passou  a noite toda  acordado  e  chorou até
                  acabarem as lágrimas... Então sabe que, no fim, desce sobre a gente uma
                  grande calma. Chegamos até a ter a sensação de que nada mais nos poderá
                  acontecer.

                         Pelo menos, foi isso o que as duas meninas sentiram. Passaram horas
                  naquela  calma  absoluta,  e  nem  notaram  que  estavam  ficando  regeladas.
                  Mas Lúcia reparou em duas coisas: uma era que o céu sobre a colina estava
                  muito  mais  claro  do  que  antes,  e  a  outra  era  que  um  movimento  quase
                  imperceptível percorria a relva a seus pés. A princípio não se importou: já
                  nada  importava  agora.  Mas  viu  que  algo  começava  a  subir  pelas  pedras
                  verticais que sustentavam a Mesa de Pedra. Qualquer coisa andava agora
                  de um lado para outro sobre o corpo de Aslam. Chegou um pouquinho mais
                  perto. Eram umas coisinhas cinzentas.

                         –  Que  horror!  –  exclamou  Susana.  –  Só  faltavam  estes  ratos
                  horrendos! Monstros! Sumam daqui! – E ergueu as mãos para assustá-los.

                         –  Espere!  –  disse  Lúcia,  que  os  observara  com  mais  atenção.  –
                  Repare no que estão fazendo.
                         Ficaram olhando, inclinadas.

                         – Parece que... Mas que coisa estranha! Estão roendo as cordas!

                         –  Exatamente!  Estes  ratinhos  são  boa  gente,  coitadinhos...  não
                  percebem que ele está morto.

                         Acham que ainda podem fazer alguma coisa.

                         Estava  bem  mais  claro  agora,  e  cada  uma  reparou  na  palidez  da
                  outra, enquanto continuavam a observar os ratos a roer as cordas, dezenas,
                  centenas  mesmo,  de  ratinhos  do  campo.  Por  fim,  uma  a  uma,  as  cordas
                  todas estavam roídas.
                         O  céu  estava  esbranquiçado  no  oriente  e  as  estrelas  empalideciam
                  também. Menos uma muito grande, perto da linha do horizonte. O frio era
                  mais intenso do que nunca. E os ratinhos desapareceram.

                         As  meninas  afastaram  o  que  restava  das  cordas  roídas.  Sem  elas,
                  Aslam parecia outro. Seu rosto, com a luz progressiva, assumia expressão
                  mais nobre.

                         No  bosque,  atrás  delas,  um  passarinho  fez  um  ensaio  de  gorjeio.
                  Durante  horas  a  fio,  o  silêncio  tinha  sido  tão  completo  que  elas  se
                  assustaram.  Depois,  outro  pássaro  respondeu.  Daí  a  pouco  as  aves
                  cantavam em toda parte.

                         Já era a madrugada.
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