Page 178 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                      MAGIA AINDA MAIS PROFUNDA DE ANTES

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                  Ainda  cobrindo  o  rosto  com  as  mãos,  as  meninas  ouviram  a  voz  da
                  feiticeira:

                         – Sigam-me todos e acabemos com o que resta da batalha. Não será
                  difícil esmagar o verme humano e os traidores, agora que o grande louco, o
                  gatão, está morto.
                         As meninas passaram por grande perigo. Pois, com gritos selvagens e
                  som de trombetas, aquele restolho da criação partiu em disparada do alto da
                  colina para a encosta, passando rente ao esconderijo. Os espectros foram
                  como  um  vento  gelado;  o  chão  tremeu  com  o  galope  dos  minotauros.
                  Esvoaçou sobre as cabeças das duas garotas uma grande mancha imunda de
                  abutres e morcegos gigantes. Em outra situação, teriam tremido de medo,

                  mas agora tinham a alma tão cheia de tristeza, vergonha e horror pela morte
                  de Aslam que nem tempo tiveram de ter medo.
                         Quando  tudo  se  acalmou,  Susana  e  Lúcia  foram  para  o  alto
                  descoberto  da  colina.  Ainda  era  possível  distinguir,  apesar  das  nuvens
                  delicadas  que  ocultavam  a  lua,  o  vulto  do  Leão,  que  jazia  morto  nos
                  grilhões. Ambas se ajoelharam na relva molhada, beijaram o rosto frio de
                  Aslam, acariciaram seu bonito pêlo – o que ainda restava dele – e choraram
                  amargamente,  até  que  não  puderam  mais.  Olhando  uma  para  a  outra,
                  deram-se  as  mãos,  porque  se  sentiam  sós,  e  choraram  de  novo.  Depois
                  voltaram a calar-se. Lúcia disse, por fim:

                         –  Não  suporto  vê-lo  com  esta  horrível  mordaça.  Conseguiremos
                  arrancá-la?

                         Tentaram.  Depois  de  muito  esforço  (tinham  os  dedos  gelados  e
                  estava  muito  escuro)  conseguiram.  E  ao  verem  o  rosto  de  Aslam  sem  a
                  focinheira, desandaram a chorar outra vez. E beijos. E carícias. Limparam-
                  lhe o melhor que puderam o sangue e a espuma. Não tenho nem palavras
                  para lhe contar a solidão, o desespero, a desolação daquele momento.

                         – Será que conseguimos também desamarrá-lo? – perguntou Susana.
                  Mas os inimigos, só de maldade, tinham apertado tanto as cordas, que as
                  meninas não puderam desfazer os nós.
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