Page 181 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
P. 181
Aslam abaixou a cabeça dourada e lambeu-lhe a testa. O calor de seu
bafo era de criatura viva.
– Pareço um fantasma?
– Não! Você está vivo! Oh, Aslam! – gritou Lúcia, e as duas meninas
atiraram-se sobre ele com mil beijos.
– Mas explique tudo isso, por favor – disse Susana, ao recuperar um
pouco da calma.
– Explico: a feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não
sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além
da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais
longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do
tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima
voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a
mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás... E agora...
– E agora? – disse Lúcia, pulando de alegria, batendo palmas.
– Ah, crianças... Já me sinto mais forte. Vamos ver uma coisa: se
vocês são capazes de me pegar!
Ficou quieto por um instante, com os olhos brilhando muito, as
pernas fremindo de excitação, fustigando-se com a cauda. De um salto,
passou-lhes por cima da cabeça e foi cair do outro lado da mesa. Rindo,
sem saber de quê, Lúcia subiu à mesa para pegá-lo. Aslam escapou com um
pulo. E começou uma corrida louca. Fugia, obrigando-as a correr pela
colina, às vezes deixando que elas quase o agarrassem pela cauda.
Mergulhava entre as duas, atirava-as ao ar com as patas enormes e
aveludadas, para voltar a apanhá-las. Parava de repente, fazendo com que
elas se amontoassem no chão, rindo alegremente, numa confusão de braços,
pernas e pêlos. Foi uma algazarra daquelas, como não existe fora de
Nárnia. Lúcia não sabia bem se estava brincando com um gatinho ou com
um furacão. O mais engraçado é que, quando por fim se deitaram ao sol,
ofegantes, as duas já não estavam nada cansadas, nem com fome, nem com
sede.
– Agora – disse Aslam – vamos ao trabalho.
Acho que vou dar um rugido. Melhor taparem os ouvidos.
Foi o que fizeram. Quando Aslam abriu a boca, seu rosto ficou tão
apavorante que não tiveram coragem de olhar para ele. As árvores em
frente curvaram-se ao sopro do rugido, como o capim se curva ao vento.
– Temos de andar muito. O melhor é vocês subirem nas minhas
costas.