Page 35 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Terá o mestre feiticeiro, seu tio, poder igual ao meu? – perguntou a
                  rainha, segurando outra vez com energia a mão de Digory. – Vou apurar
                  isso mais tarde. Mas não se esqueçam do que viram. É o que acontece às
                  pessoas que barram meu caminho.

                         Uma  luz,  muito  intensa  para  aquele  mundo, invadia o pórtico  sem
                  porta. Não se sentiram nada surpresos quando foram conduzidos para o ar
                  livre.  O  vento  era  frio,  mas,  ainda  assim,  tinha  algo  de  rançoso.
                  Encontravam-se  em  um  alto  terraço,  do  qual  se  avistava  uma  vasta  e
                  extensa paisagem lá embaixo. Na linha do horizonte pousava um enorme
                  sol vermelho, muito maior do que o nosso. Digory percebeu também que
                  era bem mais velho que o nosso, um sol no fim da vida, já cansado de olhar
                  para  aquele  mundo.  À  esquerda  do  sol,  mais  ao  alto,  havia  uma  única
                  estrela, enorme e reluzente. Eram as duas coisas visíveis no céu escuro e
                  desolado.

                         Na terra, em todas as direções, estendia-se uma grande cidade, onde
                  não se via coisa viva. Os templos todos, as torres, os palácios, as pirâmides,
                  as pontes projetavam sombras longas e lúgubres à luz daquele sol murcho.
                  Um  grande  rio  percorrera  a  cidade  em  tempos  idos,  mas  a  água
                  desaparecera há muito, deixando no leito uma poeira cinzenta.

                         – Olhem bem, que jamais outros olhos verão este cenário – disse a
                  rainha.  –  Aqui  foi  Charn,  a  metrópole,  a  cidade  do  Rei  dos  Reis,  o
                  assombro  do  mundo,  de  todos  os  mundos,  talvez.  Seu  tio  governa  uma
                  cidade grandiosa como esta, menino?
                         – Não – respondeu Digory. Já ia explicar que seu tio não governava
                  coisa nenhuma, mas a rainha prosseguiu:

                         – Está em silêncio agora. Mas aqui estive quando o ar vibrava com o
                  estrépito  de  Charn;  o  soar  dos  pés,  o  ranger  das  rodas,  o  estalido  dos
                  chicotes,  os  gemidos  dos  escravos,  o  fragor  das  carruagens,  os  tambores
                  dos ritos de sacrifício ressoando nos templos... Aqui estive (mas já era o
                  princípio do fim) quando o troar da batalha invadia as ruas e o rio de Charn
                  corria vermelho.

                         Fez uma pausa e acrescentou:

                         – No lampejo de um instante, uma mulher fez a cidade desaparecer
                  para sempre.

                         – Quem? – perguntou Digory, com a voz sumida, já imaginando a
                  resposta.
                         – Eu! – respondeu a rainha. – Eu, Jadis, a última rainha, mas a rainha
                  do mundo!

                         As duas crianças ficaram caladas, tiritando no vento frio.
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