Page 36 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Foi culpa de minha irmã – prosseguiu a rainha. – Levou-me a isso.
                  Que  a  maldição  de  todos  os  poderes  repouse  sobre  ela  eternamente!  Eu
                  estava decidida a fazer a paz a qualquer momento... Sim, e estava também
                  decidida a poupar-lhe a vida, desde que me entregasse o trono. Mas ela não
                  quis. Seu orgulho destruiu o mundo todo. Mesmo depois de ter começado a
                  guerra,  firmou-se  o  juramento  solene  de  que  ninguém  se  utilizaria  de
                  magia.  Quando  ela  quebrou  o  juramento,  que  me  restava  fazer?
                  Desvairada! Como se ignorasse que eu possuía mais poderes do que ela! E
                  não ignorava também que eu possuía o segredo da Palavra Execrável! Teria
                  pensado  –  sempre  foi  uma  fraca  de  espírito  –  que  eu  não  usaria  o  meu
                  poder final? – Qual era? – perguntou Digory.

                         – O segredo de todos os segredos. Sempre foi do conhecimento dos
                  grandes reis da nossa raça que existia uma palavra, a qual, se pronunciada
                  com  as  cerimônias  adequadas,  destruiria  todas  as  coisas  vivas,  menos  a
                  pessoa  que  a  pronunciasse.  Os  antigos  reis,  entretanto,  eram  débeis  ou
                  compassivos e comprometeram a si mesmos, e a todos que os sucederam,
                  com grandes juramentos, de jamais nem mesmo buscarem a ciência dessa
                  palavra.  Mas  eu  tomei  ciência  dela  num  lugar  secreto  e  paguei  terrível
                  preço  por  isso.  Não  a  usei  até  que  fui  forçada  a  fazê-lo.  Lutei
                  desesperadamente  para  substituí-la  por  todos  os  outros  meios.  Derramei
                  como água o sangue dos meus exércitos...

                         – Monstro! – resmungou Polly, baixinho.

                         – A última grande batalha – continuou a rainha – raivou por três dias
                  aqui, no coração de Charn. Durante três dias eu a contemplei deste mesmo
                  local. Só me utilizei da solução final depois que tombaram meus últimos
                  soldados,  quando  a  mulher  maldita,  minha  irmã,  à  testa  dos  rebeldes,  já
                  subia aquelas imensas escadarias que vão do centro da cidade ao terraço.
                  Esperei  que  estivéssemos  bem  próximas  e  pudéssemos  distinguir  nossas
                  fisionomias.  Faiscando  seus  horríveis  olhos  perversos  em  cima  de  mim,
                  disse-me ela: “Vitória!”. “Sim”, disse-lhe eu, “vitória, mas não sua.” Então
                  pronunciei a Palavra Execrável. Um momento depois era eu, sob o sol, a
                  única criatura viva.

                         – E o povo? – perguntou Digory, sem ar. – Que povo, garoto?
                         – O povo, ora, o povo que anda na rua, que nunca iria fazer-lhe mal.
                  E as mulheres, as crianças, os bichos?

                         – Você não está entendendo. Escute, eu era a rainha; eles todos eram
                  os meus súditos; logo, só viviam para fazer a minha vontade.

                         – Coitados! – disse Digory.

                         – Por um momento me esqueci de que você não passa de um menino
                  plebeu. Como iria entender razões de Estado? Precisa aprender uma coisa,
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