Page 41 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Trata-se de uma razão de Estado – falou Polly com menoscabo. –
                  A  mesma  razão  pela  qual  você  assassinou  aquela  gente  toda  lá  no  seu
                  mundo. Depressa, Digory.

                         Colocaram os anéis verdes, mas Digory disse: – Que maçada! O que
                  vamos fazer? – Mesmo sem querer, sentia uma certa pena da rainha.

                         – Não banque o idiota – disse Polly. – Aposto dez contra um que ela
                  está fingindo. Venha logo. Os dois pularam no lago. Polly ainda pensou:
                  “Que idéia genial ter marcado o lugar!” Mal tinha saltado, Digory sentiu
                  que dois grandes e gélidos dedos haviam pinçado sua orelha. À medida que
                  afundavam e as confusas formas do nosso mundo começavam a surgir, a
                  garra dos dedos apertava mais. Pelo jeito, a feiticeira estava recuperando as
                  forças.  Deu  tapas  e  chutes,  mas  não  adiantou  nada:  já  se  achavam  no
                  estúdio de tio André, que lá estava, olhando boquiaberto a estranha criatura
                  que Digory trouxera de além-mundo.

                         E  era  mesmo  de  abrir  a  boca.  A  feiticeira  vencera  a  languidez  do
                  Bosque entre Dois Mundos. No nosso mundo, com as coisas de sempre ao
                  redor,  a  rainha  era  impressionante.  Em  Charn  já  parecera  alarmante;  em
                  Londres, era de meter medo. Só agora faziam uma idéia exata do tamanho
                  da mulher. “Nem chega a ser humana” – pensou Digory, olhando para ela.
                  E devia estar certo, pois se diz que há sangue de gigante na família real de
                  Charn.
                         No entanto, a altura da rainha não era nada comparada à sua beleza,
                  impetuosidade e selvageria. Parecia dez vezes mais cheia de vida do que a
                  grande  parte  das  pessoas  que  a  gente  encontra  em  Londres.  Tio  André,
                  inclinando a  cabeça,  esfregando  as  mãos  e  abrindo  os  olhos,  parecia um
                  coelho  acuado.  Melhor:  ao  lado  da  feiticeira,  mais  parecia  um  camarão.
                  Pois,  apesar  de  tudo,  como  Polly  observou  mais  tarde,  havia  qualquer

                  semelhança  entre  ela  e  ele,  qualquer  coisa  na  expressão  do  rosto.  Era  o
                  olhar dos bruxos, a marca que Jadis não encontrou na face de Digory.
                         Pelo  menos  uma  vantagem  havia  em  ver  os  dois  reunidos:  não  se
                  podia mais ter medo de tio André, assim como não se tem mais medo de
                  minhoca  depois  de  se  topar  com  uma  cascavel,  ou  medo  de  uma  vaca
                  depois de se topar com um touro bravo.

                         – Bah! – disse Digory para si mesmo. – Feiticeiro, ele! Não dá nem
                  para enganar. Ela, sim, é pra valer!

                         Tio  André  continuava  a  esfregar  as  mãos  e  a  curvar  a  cabeça.
                  Procurava uma coisa bem delicada para dizer, mas a boca estava seca como
                  o chafariz de Charn; não conseguia falar. Seu “experimento” com os anéis,
                  como  dizia  ele,  estava  sendo  um  sucesso  acima  do  desejável.  Apesar  de
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