Page 45 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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quanto  ficara  aterrorizado,  passando  a  pensar  no  quanto  ela  era
                  deslumbrantemente bonita. Ficou repetindo para si mesmo: “Que mulher!
                  Que mulher! Que criatura impressionante!”

                         Também tratara de esquecer que foram as crianças que trouxeram a
                  “criatura  impressionante”:  sentia-se  como  se  ele  próprio,  por  sua  força
                  mágica, tivesse trazido a mulher de um mundo desconhecido. Mirando-se
                  no espelho, disse:

                         –  André,  garoto,  você  está  diabolicamente  conservado  para  a  sua
                  idade. Um homem de aparência muito distinta, cavalheiro.

                         Veja você: o tonto do velhote estava de fato começando a imaginar
                  que  a  feiticeira  ficaria  apaixonada  por  ele.  Provavelmente  os  dois  goles
                  ajudavam  a  sustentar  essa  opinião,  e  as  melhores  roupas  também.  Mas,
                  enfim,  sempre  fora  vaidoso  como  um  pavão;  foi  só  por  isso  que  se  fez
                  feiticeiro.
                         Abriu a porta, desceu as escadas e mandou a empregada procurar um
                  cabriolé  (todo  o  mundo  podia  ter  uma  porção  de  empregadas  naquele
                  tempo).  Na  sala  de  visitas,  como  esperava,  encontrou  tia  Leta.  Estava
                  ajoelhada, muito entretida em remendar um colchão.

                         –  Ah,  minha  irmãzinha  querida  –  disse  tio  André  –,  eu...  ham...
                  hum... tenho de sair. Só queria que me emprestasse umas cinco libras, por
                  aí...

                         – Não, meu caro André – respondeu tia Leta com sua voz inflexível,
                  sem erguer os olhos do trabalho. – Já disse a você inúmeras vezes que não
                  lhe empresto dinheiro.

                         –  Por  favor,  mana,  não  complique;  é  de  uma  importância
                  transcendente. Ficarei numa situação terrivelmente embaraçosa se...

                         – André – disse tia Leta, fitando-o –, você não tem vergonha de me
                  pedir dinheiro emprestado?
                         Escondia-se toda uma comprida e aborrecida história de gente grande
                  atrás  daquelas  palavras.  Basta  você  saber  o  seguinte:  tio  André  “zelava
                  pelos negócios de tia Leta”. Como nunca trabalhou e gastava muito com
                  charutos e conhaque (os quais a irmã sempre pagava), conseguiu deixá-la
                  mais pobre do que era trinta anos antes.

                         – Minha querida, você não está entendendo. O caso é que eu tenho
                  umas despesas extraordinárias hoje. Sou forçado a levar a passear... uma...

                         – Levar a passear quem, André?

                         –  Uma...  uma  estrangeira  que  acabou  de  chegar...  da  mais  alta
                  distinção.
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