Page 49 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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de  jantar  e  amassou  o  rosto  contra  a  vidraça.  Podia  ver  os  degraus  da
                  entrada e a rua, e ficou imaginando o que Polly estaria fazendo.

                         A primeira meia hora escorreu lentamente. Polly havia chegado tarde
                  para  o  jantar,  com  as  meias  e  os  sapatos  muito  molhados.  Quando  lhe
                  perguntaram  onde  estivera  e  o  que  andara  fazendo,  respondeu  que  tinha
                  saído com Digory Kirke. Havia molhado os pés numa poça. A poça estava
                  num bosque. Onde era o bosque, não sabia. Em algum parque da cidade?
                  Parecia com um parque.

                         A mãe de Polly achou então que a filha havia ido, sem dizer nada a
                  ninguém,  a  um  lugar  de  Londres  que  não  conhecia,  brincando  aí  de
                  chapinhar  em  poças.  Resultado:  tinha  sido  uma  menina  muito  levada,  e
                  estaria proibida de brincar com “o tal de Digory” se aquilo acontecesse de
                  novo.  Não  ganhou  sobremesa  e  não  devia  sair  do  quarto  durante  duas
                  horas. Acontecia isso com muita freqüência naquele tempo.

                         Assim, enquanto Digory estava de olho na janela da sala de jantar,
                  Polly  estava  estendida  na  cama,  pensando  ambos  como  o  tempo  custa  a
                  passar.
                         Acho  que  a  situação  de  Digory  era  pior.  Polly  tinha  apenas  de
                  esperar  que  as  duas  horas  passassem,  enquanto  ele,  ao  ouvir  qualquer
                  barulho de rodas na rua, logo se sobressaltava, pensando “São eles”, para
                  em  seguida  verificar  que  estava  enganado.  Entre  esses  falsos  alarmes,  o
                  relógio  continuava  soando  e  uma  mosca  esvoaçava  na  vidraça,  fora  do
                  alcance  da  mão.  Era  uma  dessas  casas  que  ficam  muito  quietinhas  e
                  aborrecidas durante a tarde e que sempre cheiram à carne de carneiro.

                         Um  pequeno  fato  aconteceu  durante  a  longa  espera:  uma  senhora
                  chegou  à  porta  trazendo  umas  uvas  para  a  mãe  de  Digory.  Tia  Leta  foi
                  recebê-la e Digory não pôde deixar de ouvir a conversa entre ambas.

                         – Que uvas maravilhosas! – disse a tia. – Ela vai gostar tanto! Mas,
                  coitada  da  minha  Mabelzinha,  acho  que  agora  só  uma  fruta  da  Terra  da
                  Eterna  juventude  poderia  fazer  bem  a  ela.  Frutas  deste  mundo  já  não
                  resolvem, infelizmente.

                         As duas começaram a falar baixo e ele não pôde escutar mais. Caso
                  Digory  ouvisse  sobre  a  Terra  da  Eterna  Juventude  uns  dias  antes,  teria
                  pensado  que  tia  Leta  falava  de  algo  sem  nenhum  sentido  verdadeiro  ou
                  especial, como é costume entre as pessoas grandes. Mas de repente ocorreu
                  ao  menino  que  sabia  agora  que  os  outros  mundos  existiam  de  fato,  e  já
                  estivera em um deles. Assim, tinha de existir em algum lugar a Terra da
                  Eterna Juventude. Quase tudo devia existir. Devia existir num outro mundo
                  alguma fruta que realmente curasse sua mãe! E oh...
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