Page 54 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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–  Canalhas!  Hão  de  pagar  muito  caro  por  isso  quando  eu  tiver
                  conquistado este mundo. Não deixarei pedra sobre pedra nesta cidade. Vou
                  fazer como fiz com Charn, com Felinda, com Sorlois, com Bramandin.

                         Por  fim  Digory  agarrou-lhe  o  tornozelo.  A  feiticeira  deu-lhe  um
                  chute de calcanhar, atingindo-lhe a boca. Com a dor, lábio cortado, a boca
                  cheia  de  sangue,  Digory  soltou  o  pé  de  Jadis.  De  algum  lugar  próximo
                  chegou-lhe o grito tremido de tio André:

                         –  Minha  senhora...  minha  boa  senhora...  por  favor...  por  favor...
                  comporte-se.

                         Digory  deitou  a  mão  outra  vez  no  calcanhar  e  mais  uma  vez  foi
                  chutado para trás. Outros homens iam sendo atingidos pela barra de ferro.
                  Digory fez a terceira tentativa; segurou o calcanhar, dessa vez para valer,
                  berrando para Polly: “Agora!” Aí...
                         Graças  a  Deus.  As  caras  iradas  e  apavoradas  sumiram.  As  vozes
                  raivosas  e  tremidas  fizeram  silêncio.  Menos  a  de  tio  André.  Perto  de
                  Digory na escuridão, a voz do tio choramingava:

                         – Oh, oh, devo estar delirando... só pode ser a morte... não agüento
                  mais... não está direito. Nunca na minha vida quis ser feiticeiro. Foi tudo
                  um  mal-entendido.  Tudo  culpa  da  madrinha.  Eu  protesto.  E  nas  minhas
                  condições de saúde! Eu, de uma família tão tradicional!

                         – Que droga! – disse Digory. – A gente não queria trazer o velho.
                  Que atrapalhada, puxa vida! Você está aí, Polly?

                         – Estou. Pare de empurrar. – Não estou empurrando.

                         Não  teve  tempo  de  dizer  mais  nada.  Haviam  surgido  na  cálida  e
                  esverdeada luminosidade do bosque. Polly já gritava ao pisar fora do lago:
                         – Não é possível! Trouxemos também o cavalo! E até o Sr. André. E
                  o cocheiro! Que confusão! Quando a feiticeira percebeu que se encontrava
                  de novo no bosque, ficou muito pálida, vergando-se até sua face tocar a
                  crina do cavalo. Estava passando mal. Tio André tremia feito vara verde.
                  Mas Morango sacudiu a cabeça e relinchou, muito contente; parecia sentir-
                  se  melhor.  Era  a  primeira  vez  que  Digory  via  o  cavalo  tranqüilo.  As
                  orelhas,  que  antes  estavam  caídas,  voltaram  à  posição  normal;  os  olhos
                  brilharam de novo.

                         – Está tudo bem, companheiro – disse o cocheiro, dando uns tapinhas
                  no pescoço do cavalo. É só ter cuidado.

                         Morango fez a coisa mais natural do mundo. Morrendo de sede (o
                  que não era de espantar), andou tranqüilamente até o lago mais próximo
                  para beber água. Digory ainda segurava o calcanhar da feiticeira, e Polly, a
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