Page 57 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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milhares  de  pontos  de  luz  saltaram,  estrelas  isoladas,  constelações,
                  planetas, muito mais reluzentes e maiores do que em nosso mundo. Não
                  havia nuvens. As novas estrelas e as novas vozes surgiram exatamente ao
                  mesmo tempo. Se você tivesse visto e ouvido aquilo, tal como Digory, teria
                  tido a certeza de que eram as estrelas que estavam cantando e que fora a
                  Primeira Voz, a voz profunda, que as fizera aparecer e cantar.

                         – Louvado seja! – disse o cocheiro. – Se eu soubesse que existiam
                  coisas assim, teria sido um homem muito melhor.

                         A Voz na terra estava agora mais alta e triunfante, mas as vozes no
                  céu, depois de entoar com ela por algum tempo, tornaram-se mais suaves.

                         Longe, perto da linha do horizonte, o céu se acinzentava. Movia-se
                  uma  aragem  leve  e  refrescante.  O  céu  naquele  ponto  tornava-se
                  gradualmente mais pálido. Já se viam formas de colinas recortadas contra
                  ele. E a Voz continuava a cantar.
                         A  luminosidade  agora  já  era  suficiente  para  que  se  vissem.  O
                  cocheiro  e  as  crianças  estavam  de  boca  aberta  e  olhos  acesos:  bebiam  o
                  som, o som que parecia lembrar-lhes alguma coisa. Também a boca de tio
                  André  estava  aberta,  mas  não  de  júbilo.  Parecia  mais  que  o  queixo  dele
                  tinha  se  separado  do  resto  do  rosto.  Seus  ombros  estavam  caídos,  e  os
                  joelhos tremiam. Não estava gostando da Voz. Se houvesse ali um buraco
                  de rato, já teria sumido por ele. Mas a feiticeira olhava como se, de algum
                  modo, entendesse mais daquela música do que ninguém. De boca fechada,
                  lábios  contraídos,  punhos  cerrados,  desde  que  a  canção  começara,  sentia
                  que aquele mundo se enchia de uma magia diferente da sua, e mais forte. E
                  ela  a  detestava.  Teria,  se  pudesse,  esmagado  aquele  mundo,  todos  os
                  mundos,  só  para  interromper  o  canto.  O  cavalo  permanecia  de  orelhas
                  atentas, pisoteando às vezes o solo. Já não era um cavalo de tração velho e

                  cansado; já se podia até acreditar que seu pai estivera mesmo na guerra.
                         O céu do oriente passou de branco para rosa, e de rosa para dourado.
                  A voz subiu, subiu, até que todo o ar vibrou com ela. E quando atingiu o
                  mais potente e glorioso som que já havia produzido, o sol nasceu.

                         Digory nunca tinha visto um sol daqueles. O sol sobre as ruínas de
                  Charn parecera mais velho do que o nosso, mas este parecia mais jovem.
                  Tinha-se  a  impressão  de  que  ele  ria  de  alegria  enquanto  ia  subindo.  E,
                  quando seus raios cobriram a terra, os viajantes puderam verificar em que
                  lugar  estavam.  Tratava-se  de  um  vale  através  do  qual  serpenteava  um
                  grande e caudaloso rio, que corria para o leste, na direção do sol. Ao norte,
                  colinas suaves; ao sul, montanhas altas. Mas era um vale apenas de terra,
                  rocha e água; não havia uma única árvore, arbusto ou folhinha de capim.
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