Page 59 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                                                        A CRIAÇÃO DE NÁRNIA






                  O  Leão  andava  de  um  lado  para  o  outro  na  terra  nua,  cantando  a  nova
                  canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as
                  estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante. A medida que caminhava e
                  cantava,  o  vale  ia  ficando  verde  de  capim.  O  capim  se  espalhava  desde
                  onde estava o Leão, como uma força, e subia pelas encostas dos pequenos
                  montes como uma onda. Em poucos minutos deslizava pelas vertentes mais
                  baixas das montanhas distantes, suavizando cada vez mais aquele mundo
                  novo. Podia-se ouvir a brisa encrespando a relva.

                         E surgiam outras coisas além da relva. As mais altas encostas iam
                  ficando escuras de urzes. Manchas de um verde mais intenso apareciam no
                  vale. Digory não sabia ainda o que eram, até que surgiu uma pertinho dele:
                  uma coisinha espigada que ia lançando braços para os lados, e os braços se
                  cobriam de verde e iam ficando maiores a uma grande velocidade. Havia
                  muitas  dessas  coisas  à  sua  volta  agora.  Quando  ficaram  quase  do  seu
                  tamanho, viu o que era:

                         – São árvores! – exclamou.

                         O  único  problema,  como  Polly  observou  mais  tarde,  é  que  não  se
                  podia  ter  um  só  momento  de  paz  para  olhar  bem.  Mal  Digory  dissera
                  “árvores”, teve de saltar, pois tio André já vinha para roubar-lhe o anel do
                  bolso.  Não  teria  sido  grande  vantagem  para  o  tio,  caso  o  tivesse
                  conseguido, pois visou o bolso esquerdo, pensando ainda que eram os anéis
                  verdes que levariam para casa. Mas Digory não queria perder nenhum dos
                  dois.
                         – Pare! – gritou a feiticeira. – Volte. Mais longe. Se alguém chegar a
                  dez passos de distância das crianças, estouro-lhe os miolos. – Ela tinha nas
                  mãos aquela barra de ferro que arrancara do poste e dava mostras de que
                  cumpriria sua palavra... E acrescentou: – Então, você está querendo partir
                  com o menino para o seu mundo, deixando-me aqui!

                         Dessa vez, a revolta de tio André levou a melhor sobre o seu terror:

                         – Sim, minha senhora, estou! Sem dúvida alguma! É um direito que
                  me assiste. Fui vergonhosa, abominavelmente tratado. Fiz o que pude para
                  mostrar-lhe certas normas de civilidade. E qual foi a minha recompensa? A
                  senhora assaltou – repito a palavra –, assaltou um distintíssimo joalheiro.
                  Levou-me a obsequiá-la com um almoço excessivamente oneroso, para não
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