Page 60 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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dizer luxuoso, embora para isso eu tivesse de empenhar meu relógio. E,
fique sabendo, minha senhora, nossa família não peca pelo hábito de
freqüentar casas de penhor, a não ser meu primo Eduardo, quando serviu
como voluntário da Cavalaria. Durante aquela indigesta refeição, seu
comportamento e sua conversação atraíram a desfavorável atenção de todas
as pessoas presentes. Sinto que estou socialmente arruinado. jamais poderei
mostrar o meu rosto outra vez naquele restaurante. A senhora agrediu a
polícia. A senhora roubou...
– Oh, pare com isso, distinto, pare com isso – disse o cocheiro. – É
hora de ver e ouvir, não de falar.
Havia mesmo muito para ver e ouvir. A árvore que Digory notara em
primeiro lugar já se tornara adulta, com os galhos balançando levemente, e
eles pisavam agora numa relva macia, salpicada de margaridas e botões-de-
ouro. Mais adiante, ao longo da margem do rio, cresciam salgueiros. Do
outro lado, fechavam-se sobre eles emaranhados de arbustos de groselha
floridos, lilases, rosas silvestres e azaléias. O cavalo fartava-se de relva
nova.
Todo esse tempo, prosseguiam a canção do Leão e seu majestoso
caminhar, de um lado para outro, para a frente e para trás. Aproximava-se
mais e mais, o que era meio alarmante. Polly achava a canção cada vez
mais interessante, pois começara a perceber uma ligação entre a música e
as coisas que iam acontecendo. Quando uma fileira de abetos saltou a uns
cem metros dali, sentiu que os mesmos estavam ligados a uma série de
notas profundas e longas que o Leão cantara um segundo antes. Quando ele
entoou uma seqüência de notas rápidas e mais altas, não ficou nada
surpresa ao ver primaveras surgindo por todos os cantos. Com um
indescritível frêmito, teve quase certeza de que todas as coisas (como disse
mais tarde) “saíam da cabeça do Leão”. Ouvir a canção era ouvir as coisas
que ele estava criando: olhava-se em volta, e elas estavam lá. Era tão
emocionante que Polly nem teve tempo de sentir medo. Mas Digory e o
cocheiro ficaram um tanto nervosos com a aproximação do Leão. Quanto
ao tio André, seus dentes estalejavam, mas, como seus joelhos tremiam
demais, não saiu do lugar.
De repente a feiticeira caminhou ostensivamente na direção do Leão.
Este se aproximava, sempre cantando, com passos lentos e pesados. Estava
a menos de dez metros. Ela ergueu o braço e arremeteu a barra de ferro
bem na sua cabeça.
Ninguém (muito menos Jadis) erraria àquela distancia. A barra
acertou o Leão bem entre os olhos e caiu na relva. O Leão continuou a
caminhar: seu passo não era nem mais lento nem mais apressado do que
antes. Nem mesmo era possível afirmar que fora atingido. Embora não